
A expansão do Mundial de Clubes, agora com 32 clubes, marcou um ponto de virada para a FIFA. A aposta central da entidade tem sido transformar um evento pouco valorizado pela mídia em produto global altamente rentável.
A cobertura desta competição nos bastidores das transmissões revela uma complexa teia de interesses comerciais, envolvendo direitos de mídia, patrocínios milionários e investimentos estratégicos que redesenham o cenário do futebol mundial.
DIREITOS DE TRANSMISSÃO
O ponto de partida foi o tombo nas negociações com a Apple. A FIFA previa um pacote de US$ 4 bilhões em direitos globais — quase o equivalente à Champions League —, mas as conversas com a gigante de tecnologia estagnaram após uma oferta de cerca de US$ 1 bilhão.
No lugar da Apple, entrou a DAZN, que no dia quatro de dezembro de 2024 fechou um acordo global para transmitir gratuitamente os 63 jogos, desembolsando cerca de €1 bilhão (US$ 1 bilhão).
Este valor iguala o que a Bundesliga e La Liga faturam com todas as suas transmissões regulares, em contraste com a Champions League, que chega a arrecadar 4,6 e 4,8 bilhões de euros.
Oliver Pete, CEO de Mercados de Crescimento da DAZN, comentou:
“O torneio nos apresentará a novos mercados onde estamos entrando ou expandindo. Em certo sentido, é tanto um produto de transmissão quanto uma oportunidade para ajudar a crescer nossos negócios globais e nos tornar reconhecidos como ‘Global Home of Football’.”
Além disso, rumores apontam que o fundo soberano saudita PIF investiu US$ 1 bilhão na DAZN, apoiando sua capacidade de arcar com o contrato FIFA e promovendo uma aproximação estratégica entre FIFA, DAZN e interesses sauditas.
CACHÊ PARA CLUBES E IMPACTO ECONÔMICO
A nova formatação trouxe premiação recorde: total de US$ 1 bilhão entre premiação e participação financeira. O campeão terá à disposição US$ 125 milhões; já os clubes participantes receberão, no mínimo, US$ 40–50 milhões cada.
O presidente da Uefa European Leagues, Claudius Schafer, manifestou sua preocupação:
“Se um clube da liga austríaca recebe US$ 50 milhões, isso tem enorme influência nessa liga […] temo pelo futuro”.
O economista Andrea Sartori, da Football Benchmark, estima que os direitos de TV poderão valer entre US$ 1,2 e 1,5 bilhão ao longo dos 63 jogos, ou entre US$ 20 e 25 milhões por partida.
CRÍTICAS DE DESCONFIANÇAS
Apesar da grandiosidade, críticos apontam que a visibilidade do evento ainda é limitada. O jornal Financial Times ressalta ceticismo de redes e patrocinadores, além de preocupações com a qualidade esportiva e o calendário apertado. A falta de interesse inicial obrigou a FIFA a negociar patrocínios e transmissões localizadas.
O acordo com a DAZN veio com um risco significativo: a empresa registra prejuízos anuais acima de US$ 1 bilhão desde 2019. Tom Evens, especialista em mídia esportiva, declarou:
“Foi um baita lance [correr risco] por uma competição que ainda não provou seu valor”.
PATROCÍNIOS ESTRATÉGICOS E SPORTWASHING
Mais do que direitos de mídia, trata-se de um movimento comercial amplo. A AB InBev (marca Budweiser) está em discussão para ser patrocinadora, com possível investimento de cerca de US$ 90 milhões.
Há relatos de que a FIFA estuda revender patrocínios ligados à Copa do Mundo 2026 junto ao Mundial de Clubes – estratégia para atrair marcas premium como Adidas e Coca‑Cola após entraves contratuais.
A parceria entre FIFA e o PIF também entra no debate sobre sportswashing — uso do esporte para promover imagem global, envolvendo países com histórico questionável em direitos humanos.
AUDIÊNCIA, COBERTURA E FUTURO DA MÍDIA
Os primeiros números indicam força comercial, mas fragilidade na atração de público. No Reino Unido, Channel 5 transmitiu 23 jogos, com pico de audiência de 1,6 milhão, sobretudo no público jovem (15‑34 anos). Já nos EUA, plataformas parcerias de DAZN possibilitam acesso gratuito via TV paga e dispositivos conectados.
Por outro lado, em estádios, a média de ocupação atingiu apenas 52% da capacidade, com picos de 43% em muitos jogos – reflexos de ingressos caros, logística, visto e clima hostil à presença de imigrantes.
O IMPACTO ECONÔMICO NOS EUA
Um estudo conjunto da FIFA e OMC indica que o Mundial de Clubes pode gerar US$ 9,6 bilhões em PIB para os EUA, movimentar US$ 17,1 bilhões em produção local, criar 105 mil empregos, além de total mundial de US$ 21,1 bilhões em PIB e 3,7 milhões de pessoas no estádio.
CONCLUSÃO
A transformação do Mundial de Clubes em um produto de massa revela a centralidade dos interesses de mídia e patrocínio no futebol global.
O acordo com a DAZN, suporte do PIF, patrocínios anuais e valores recordes de prêmio mostram que a FIFA está decidida a redesenhar o futebol em direção a um modelo mais voltado ao entretenimento digital, globalizada e alinhado a grandes investimentos.
Mas há riscos: saturação da mídia esportiva, desequilíbrios financeiros entre clubes, desgaste dos jogadores e críticas por sportswashing. O futuro do evento dependerá da capacidade de equilibrar margens comerciais e valor esportivo.
Essa convergência entre mídia, capital e futebol desenha um panorama cheio de desafios. O Mundial de Clubes da FIFA está em uma encruzilhada: se for bem-sucedido como produto de mídia, pode inaugurar uma nova era; se não, exporá os limites dessa transformação.