
O fenômeno dos multiclubes tem se espalhado pelo mundo do futebol. Empresários ou grupos que adquirem mais de um clube e tornam-se cada vez mais influentes.
A Eagle, do americano John Textor – dono da SAF do Botafogo – é apenas um dos muitos exemplos desta força no esporte mais popular do planeta. Neste abordaremos o assunto, que preocupa alguns agentes do futebol pelo que chamam de monopólio internacional.
COMO FUNCIONA ESSE ‘MONOPÓLIO DISCRETO’
- Transferências internas a custo zero
A Uefa alerta que “uma porcentagem crescente de transferências é executada dentro de grupos de investimento multiclubes por preços adequados aos investidores, em vez de valores justos”.
Isso reduziria receitas dos clubes formadores, que deixam de receber por mecanismos de solidariedade, e fomenta uma cadeia interna de jogadores.
- Mercado enviesado
Clube do mesmo grupo pode “emprestar” ou transferir jovens por valores simbólicos, distorcendo o mercado. Favorece quem já tem poder financeiro concentrado e “aprisiona” talentos dentro dessas redes
- Padrões globais
Redes como a City Football Group ou a Eagle Football (John Textor) aplicam identidade uniforme: estilo de jogo, capacitação técnica, branding e scouting centralizado. No Brasil, o Bahia (IG City), Botafogo (Eagle) e Bragantino (Red Bull) já seguem esse modelo.
CASOS EMBLEMÁTICOS
City Football Group (CFG)
É o maior exemplo, pois controla o Everton (Inglaterra), Bahia (Brasil), Girona (Espanha), Melbourne City, Mumbai City, além do Manchester City. CFG já levou evidências à Uefa para permitir a presença de clubes como Manchester City e Girona na Champions.
Eagle Football — John Textor
Controla Lyon (França), Botafogo (Brasil), Molenbeek (Bélgica) e tem participação em Crystal Palace (Inglaterra). Em junho deste ano, o caso do Palace, qualificado para a Europa League, gerou conflito. Afinal, Textor também detém o Lyon, que se classificou para a competição e a Uefa ameaça desclassificar um dos clubes.
49ers Enterprises — Leeds e Rangers
O grupo do San Francisco 49ers adquiriu participação majoritária no Rangers da Escócia por £75 mi. A EFL acaba de mudar regras para permitir esse tipo de controle cruzado entre ligas, desde que não envolva mais de um time dentro da EFL/Premier.
VOZES CRÍTICAS E FAVORÁVEIS
Aleksander Čeferin, presidente da Uefa, já falou em 2023 que esse modelo representa “potencial de ameaça” à integridade das competições.
No caso do Crystal Palace, Paraag Marathe (Leeds e vice do Rangers), afirmou recentemente que não se trata de multiclube: “não há risco de conflito de interesse”. Ele defende que os clubes “manterão operações independentes”.
O advogado brasileiro André Carvalho Sica, no evento Brasil Futebol Expo, definiu que os multiclubes “caracterizam-se quando a mesma pessoa ou grupo tem participação em mais de um clube” e na ocasião listou os principais casos no país.
IMPACTOS ATÉ JUNHO DE 2025
Regulamentação
- Em 24 de junho de 2025, a EFL acertou novas regras: agora é permitido possuir clubes em ligas escocesa e irlandesa além de uma equipe inglesa, desde que não sejam múltiplas na mesma liga.
- A Uefa, porém, ainda repreende casos como o Crystal Palace/Lyon, aplicando sanções e ameaçando exclusão de competições.
Expansão global
- Observatório Social já mapeou 57 redes e 178 clubes; os números devem ultrapassar 300 em 2026.
- No Brasil, a adoção acelerou com SAFs: Bahia (City), Botafogo (Eagle), Vasco (777), Bragantino (Red Bull), rumo a sistemas de desenvolvimento conjunto e intercâmbio de atletas.
O FUTURO DO ‘MONOPÓLIO INVISÍVEL’
Para quem é favorável
Os defensores alegam benefícios claros:
- Compartilhamento de custos administrativos e scouting;
- Desenvolvimento de jovens em múltiplos mercados;
- Proteção contra crises financeiras ao diversificar ativos.
O exemplo de Chien Lee, da NewCity Capital, que controla nove clubes na Europa (Nancy, Kaiserslautern, Thun…), ilustra como redes menores também operam de forma enxuta, focando em análise de dados e cultura de equipe.
Para os críticos
- Riscos ao equilíbrio competitivo — clubes com mesma propriedade podem ser favorecidos ou manipular resultados;
- Distorção nas transferências, com perdas significativas para clubes de base;
- Aumento da opacidade nas estruturas controladoras.
A preocupação expressa por Ceferin e pelas sanções da Uefa ao Palace indicam que a pressão regulatória deve aumentar — possivelmente levando a regras mais rígidas até 2026.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em junho de 2025, os multiclubes já são um poder silencioso que molda o futebol moderno. Por trás do marketing e dos exploits esportivos, há um sistema que impõe monopólio sobre talentos, receitas e governança.
A crescente sofisticação das redes — como demonstram City, Eagle e NewCity — reforça sua influência.
Mas a reação regulatória permanece ambígua: enquanto a EFL amplia seu alcance, a Uefa endurece regras. Para o torcedor, socio ou rival, a questão é clara: que futebol queremos? Um esporte global onde muitos ganham, ou um mercado controlado por clubes-empresas? O debate, agora, está em curso.