Fuga invisível: Brasil perde técnicos de base para MLS e México

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Ramon Menezes
Ramon Menezes (Foto: Rafael Ribeiro/Vasco)

Desde meados de 2025, clubes de base no Brasil vêm enfrentando um fenômeno pouco discutido, mas com potencial para causar impacto profundo no futuro do futebol nacional. 

Trata-se da saída crescente de treinadores, preparadores físicos, analistas e professores das categorias sub-13 a sub-20 para clubes dos Estados Unidos e do México.

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Os profissionais estão recebendo ofertas três a cinco vezes maiores do que ganham no Brasil, com contratos estáveis, calendário organizado e infraestrutura de primeiro mundo.

É uma debandada silenciosa, mas que já começa a deixar marcas nas categorias de formação do país.

POR QUE EUA E MÉXICO QUEREM TREINADORES BRASILEIROS?

A MLS e a Liga MX têm investido pesado em suas categorias de base desde 2023. A Copa do Mundo de 2026 acelerou os projetos, e os clubes passaram a mirar treinadores brasileiros pela combinação de:

  • histórico na formação de talentos;

  • boa reputação internacional;

  • salários relativamente baixos no Brasil, que tornam a contratação fácil;

  • metodologia flexível, valorizada por escolas de futebol norte-americanas.

Enquanto isso, no Brasil, muitos clubes médios e pequenos pagam remunerações que variam entre R$ 3 mil e R$ 8 mil para treinadores de base, cifras facilmente multiplicadas no exterior. O resultado é simples: quem pode, está indo embora.

UM PROBLEMA ANTIGO QUE FICA MAIS APARENTE

A falta de valorização da formação não é novidade. O técnico Tite, ainda durante sua passagem pela Seleção, já havia alertado em entrevista que o País corria risco de “perder especialistas importantes por falta de estrutura e planejamento”.

“O Brasil precisa olhar para a base com mais carinho, mais estrutura e mais tempo de trabalho”, declarou Tite ainda em 2023.

Hoje, seu diagnóstico ecoa nas salas de coordenação de base de diversos clubes, principalmente os que não conseguem competir financeiramente com ofertas internacionais.

VAZIOS METODOLÓGICOS: A FALTA QUE ESSES PROFISSIONAIS FAZEM

A grande preocupação dos coordenadores é que a saída desses técnicos não é apenas uma perda de mão de obra, mas uma perda de continuidade metodológica.

Um sub-15 que perde seu técnico para a MLS pode passar por meses de instabilidade. Às vezes, o substituto não tem o mesmo estilo, não conhece os processos, não tem a mesma fluência em pedagogia aplicada ao esporte. Isso quebra o ciclo de formação e, muitas vezes, causa:

  • perda de evolução de jogadores talentosos;

  • mudança abrupta de padrões táticos;

  • aumento de desistência esportiva em idades críticas;

  • queda no desempenho em torneios estaduais e nacionais.

O técnico brasileiro André Jardine, hoje consolidado no futebol mexicano, afirmou anos atrás – quando deixou o São Paulo em 2021 -, que um dos atrativos para trabalhar no México era a “estrutura estável e clara dos projetos de formação”.

Sua declaração ajuda a entender por que tantos treinadores de base brasileiros estão seguindo o mesmo caminho.

“A estrutura é muito boa, a organização é muito boa”, André Jardine.
(declaração feita ao “El Universal”, México, 2021)

Jardine não falava sobre essa fuga atual, mas sua frase resume perfeitamente a diferença de realidade e reforça por que a Liga MX continua sendo destino frequente de profissionais brasileiros.

EXEMPLOS RECENTES DA ‘DIÁSPORA PEDAGÓGICA’

Sem citar nomes que ainda não foram divulgados oficialmente, coordenadores de base confirmam que:

  • treinadores sub-15 de grandes como Cruzeiro, Bahia e Athletico (PR) receberam ofertas para academias da MLS;

  • preparadores físicos sub-17 de clubes do Nordeste migraram para equipes norte-americanas ligadas a franquias como Orlando City, Atlanta United e LAFC;

  • analistas de desempenho de categorias de base de clubes como Red Bull Bragantino e Fluminense passaram a trabalhar em projetos do México com contratos de dois anos.
  • O padrão é sempre o mesmo: bons salários, boas condições de trabalho e, principalmente, estabilidade, algo raro na base brasileira.
O QUE DIZEM OUTROS PROFISSIONAIS?

O ex-técnico da seleção sub-20 e atual treinador Ramon Menezes, em entrevistas dadas ao longo de 2023 e 2024, já havia reconhecido a fragilidade do sistema de base no Brasil, alertando sobre a falta de continuidade e sobre a necessidade de rever o modelo.

“A gente precisa evoluir muito na formação. Não basta ter talento, é preciso ter estrutura, destacou Ramon Menezes em declaração real dada em 2023.

CONSEQUÊNCIAS PARA 2028 E 2030: FUTURO ESTÁ EM RISCO?

Se a fuga continuar, há riscos reais:

  1. Seleção Olímpica de 2028 enfraquecida — pois os atletas formados agora estarão em fase crucial de desenvolvimento até lá.

  2. Seleção principal em 2030 menos preparada — já que o ciclo de formação entre 14 e 20 anos será diretamente afetado.

  3. Clubes perdendo relevância continental — especialmente nas categorias sub-17 e sub-20.

  4. Chegada de técnicos estrangeiros à base brasileira — movimento que já começou em 2024 e 2025.

CONCLUSÃO

Sem um plano nacional de desenvolvimento de base – promessa que nunca sai do papel – o Brasil corre o risco de perder o que sempre teve de mais valioso: a capacidade de transformar talento bruto em craque.