
O técnico do Grêmio, Mano Menezes, reacendeu um debate antigo, mas agora muito mais urgente: o crescente distanciamento de jovens atletas da essência do futebol. Mano fez um desabafo sobre os “desconectados” de hoje e analisaremos a questão em nosso texto.
Em entrevista ao portal O Tempo, o treinador explicou qual a sua principal preocupação. “O que mais me preocupa no jogador de hoje é que ele está muito distante do futebol. Ele fala menos de futebol”, afirmou Mano. “A nova geração não vive o jogo com a mesma intensidade de antes. Não comenta os lances, não debate tática, não vibra com as sutilezas do campo”, lamenta o treinador gremista, um dos mais experientes do futebol brasileiro.
REPERCUSSÃO
O uso ostensivo de aparelhos celulares, fones de ouvido e redes sociais nos vestiários tem prejudicado a conversa sobre o futebol, propriamente dito. Por isso, as declarações de Mano Meneses têm repercutido entre profissionais e torcedores.
Torcedor do próprio Imortal do Rio Grande do Sul, Antônio Treiker critica os atletas. Ele acredita que tem faltado concentração em campo e talvez o problema esteja de fato na dificuldade de assimilar as instruções dos treinadores.
“Sim, o Mano deve ter razão. Os jovens de hoje ficam presos aos seus aparelhos de celular e outros equipamentos mais modernos, com fones de ouvido que até os impedem de ouvir direito. Com isso, não avançam em muitos aspectos no próprio futebol”, comenta o torcedor gremista.
COESÃO OU DISPERSÃO
Mano já passou por clubes como Flamengo, Cruzeiro, Corinthians, além da própria Seleção Brasileira. O técnico tem larga experiência no relacionamento com os jogadores e acredita que há muita dificuldade para estabelecer coesão nos grupos.
“A gente incentivou os nossos jovens para sentarem e falarem sobre a coisa mais importante para a carreira deles, que é o futebol. Parece algo simples, mas hoje em dia é um tremendo desafio. Os mais jovens passam o tempo todo conectados, mas não com o time, mas com o mundo virtual”, destaca Mano.
No Grêmio, esse diagnóstico levou a medidas práticas. A comissão técnica criou espaços de convivência no CT Luiz Carvalho, com mesas redondas, vídeos táticos coletivos e rodas de conversa sobre os jogos do próprio time e de outras equipes.
Mano também tem promovido dinâmicas de grupo antes e depois dos treinos, em que os atletas são estimulados a comentar lances, opinar sobre decisões de arbitragem e sugerir alternativas para jogadas.
SOCIÓLOGO
Segundo o professor André Perrone, da UFMG, a geração Z, nascida entre 1997 e 2012, tende a desenvolver relações mais mediadas por tecnologia, e menos fundamentadas em laços presenciais.
“O atleta jovem hoje vive uma espécie de hiperexposição individual. Ele constrói a própria imagem, sua ‘marca’, nas redes, mas muitas vezes não desenvolve o senso de pertencimento ao grupo”, afirma Perrone. “Isso impacta diretamente na construção da identidade esportiva e na forma como ele lida com a derrota, a crítica e o papel tático.”
A “desconexão emocional” do futebol não se resume ao Grêmio. Técnicos como Fernando Diniz, Vítor Pereira e Abel Ferreira já tocaram no assunto em entrevistas recentes, alertando para a dificuldade de envolver os jogadores em discussões mais profundas sobre o jogo. O problema, ao que parece, não está na falta de talento — mas na dificuldade de transformar esse talento em algo maior que o indivíduo.
DESAFIO
Para Mano Menezes, o desafio é claro: “A gente precisa reconectar esses garotos ao jogo. Eles têm técnica, têm condição física, têm tudo. Mas falta sentar no vestiário e falar de bola. Falar sério, com paixão. Futebol não se faz só com chuteira e treino. Se faz com conversa, escuta, olho no olho.”, conclui o treinador.
A reflexão é dura, mas necessária. Se os clubes brasileiros pretendem manter a tradição de formar talentos com consciência tática e espírito coletivo, será preciso mais do que treinos intensivos.
As agremiações terão de estimular o diálogo, formar identidade e estabelecer o compromisso, dentro e fora das quatro linhas. Afinal, como alerta Mano, “um time que não conversa não evolui. E um jogador que não fala de futebol… aos poucos, deixa de ser jogador.”