
Celebrado em todo o mundo como o esporte do povo, o futebol rompe fronteiras e une povos. Entretanto, nos bastidores também não está isento da lei do silêncio.
Na verdade, a censura e o controle da narrativa não são algo novo na modalidade. Tem impacto nos meios de comunicação mesmo em países considerados. Nesta matéria abordaremos o tema.
A VELHA FACE DA CENSURA
Desde o período do Regime Militar (1964–1985) Brasil demonstra como o futebol pode ser usado para silenciar opiniões. A repressão valorizava o entretenimento político — o esporte como válvula de escape — enquanto censurava artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo. Em 1968, um decreto (AI‑5) proibiu manifestações artísticas “subversivas” e controlou grandes eventos, usando-os para legitimar o regime.
O Festival Internacional da Canção (1966–1972), sempre realizado no Maracanãzinho, ilustra bem essa dinâmica: muitos artistas foram censurados, presos ou exilados por protestar nos palcos. As canções políticas eram vigiadas e muitas vezes silenciadas pelo aparato estatal. Obviamente, o esporte do povo não ficaria à margem de tais restrições.
A IMPRENSA ESPORTIVA COMO ALVO
Avançando para as décadas seguintes, a violência e a censura institucionalizada ganharam contornos diferentes. O assassinato do cronista esportivo Valério Luiz de Oliveira já em 2012 é um caso emblemático de que a violência infelizmente não acabou com o fim do período militar: o radialista foi morto a tiros por declarações críticas ao Atlético (GO).
Segundo o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), essa morte ocorreu “em represália ao seu trabalho crítico sobre a gestão do time goiano” — e mostra como a liberdade de expressão esportiva pode ser mortal.
Em 2014, durante a Copa do Mundo no Brasil, jornalistas foram alvo de ameaças e agressões físicas. As organizações internacionais contabilizaram ao menos dois homicídios ligados à cobertura dos protestos.
CENSURA JUDICIAL E AUTOCENSURA
Além do risco físico, a censura no futebol também pode atingir o Judiciário. Desde 2021, houve um crescimento significativo de “harassment judicial” – ações processuais para retirar matérias críticas da internet. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) considera essa prática “a nova fronteira da intimidação.
Em abril de 2025, a CBF foi acusada de pressionar a ESPN a afastar comentaristas do programa Linha de Passe após críticas ao presidente da entidade máxima do futebol brasileiro, Ednaldo Rodrigues.
A manobra foi amplamente interpretada como censura e até o narrador Galvão Bueno pediu intervenção do Ministério Público. “Isso não pode nem deve ser aceito no esporte. Precisamos defender a independência da imprensa esportiva”, destacou. Esse tipo de ação afeta diretamente a cobertura esportiva, levando jornalistas e comentaristas a praticarem autocensura.
Já no meio digital, a censura se soma à intimidação online. O relatório 2022 do Freedom House aponta que ameaças, especialmente durante as gestões recentes, vêm de forma coordenada por apoiadores (não raras vezes oficiais) — gerando um ambiente de medo e silenciamento voluntário.
DINHEIRO E MANIPULAÇÃO
O gigantesco investimento em marketing e patrocínio em grandes torneios revela outro lado da censura: omissão e controle da narrativa. Em 2014, só em uma emissora de televisão brasileira, anunciantes teriam mais de £1,4 milhão (cerca de R$ 10,5 milhões) por dia com obras públicas pintadas de propaganda “verde e amarela”.
O dinheiro público – especialmente em obras de estádios – foi usado para mascarar problemas sociais, com o apoio tácito da grande mídia, financiada por anunciantes estatais e privados.
Há um envolvimento direto entre entidades esportivas, patrocinadores e governos. Quem paga dita o tom: críticos dos custos da Copa, como a população, raramente obtêm espaço na narrativa oficial. Estudo do Senado indicou que 76% dos brasileiros achavam que o gasto com estádios foi exagerado, mas isso quase não foi abordado na mídia corporativa.
COMO O SILÊNCIO AFETA A DEMOCRACIA
O silêncio autoritário — seja por arma, processo, financiamento ou pressão política — reduz a vigilância cidadã. Quando a imprensa esportiva cala, desaparecem os debates sobre:
- Transparência de verbas públicas;
- Condições de trabalho em estádios e clubes;
- Corrupção e patrimônios ocultos;
- O papel social e comunitário do futebol.
Assim, o futebol, símbolo de paixão nacional, torna-se parte de um mecanismo que reforça desigualdades e encobre iniciativas que realmente contribuiriam com a sociedade.
PROTESTOS NOS ESTÁDIOS
Algumas vezes a censura é praticada ostensivamente nos estádios. em mais de uma oportunidades torcedores de clubes como o Corinthians, por exemplo, foram proibidos de colocar suas faixas com críticas à diretoria.
Caso desrespeitassem a proibição, poderiam ser alvo de violência por parte da força policial. “Tentam calar os torcedores, nós que apoiamos sempre o clube mesmo nos piores momentos não podemos nos manifestar contra maus dirigentes”, critica Roberto Marcos, torcedor do TImão.
RESISTÊNCIA
Apesar dos riscos, não faltam iniciativas contrárias ao silêncio:
- Organizações como RSF, CPJ, Foxjor e Abraji denunciam e levam pressão internacional;
- Jornalistas esportivos adotam pseudônimos ou se protegem com amparos legais;
- Plataformas independentes e blogs esportivos surgem para driblar o cerceamento;
- Alguns clubes começam a divulgar relatórios de transparência financeira e social, ainda que com lentidão.
A mobilização, aliada à ética jornalística, é fundamental. O futebol não deve ser refém do silêncio, mas ponte para debate e transformação.
CONCLUSÃO
Quando livremente jogado, transmitido e comentado o futebol sem dúvida é um grande fator integrador e parte da democracia em qualquer País. Porém, quando o silêncio é imposto, a sociedade perde a capacidade de questionar.
O desafio de sempre é fortalecer a imprensa esportiva, proteger quem denuncia e conscientizar à população, em especial quem lida diariamente com o esporte mais popular do planeta.