Por dentro das comissões técnicas: os homens e mulheres por trás dos treinadores no futebol

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Comissão técnica do Palmeiras
Foto: Comissão Técnica do Palmeiras/Cesar Greco

Muitas vezes costuma-se atribuir o resultado de uma partida apenas aos jogadores e treinadores. Entretanto, por trás destes existe uma complexa rede de apoio com vários tipos de profissionais.

São auxiliares técnicos, analistas, preparadores físicos, fisioterapeutas e treinadores de goleiros, entre outros. Todos são fundamentais para que as ideias de um único nome (o treinador) ganhem forma e tenham bom desempenho dentro e fora dos gramados. Neste texto vamos analisar um pouco o papel destes indivíduos – homens e mulheres – que atuam nos bastidores do futebol.

O PAPEL ESTRATÉGIO DOS AUXILIARES

De acordo com o site Grassroots Football, o sucesso de uma comissão técnica está diretamente ligado à boa definição de funções e à comunicação, especialmente entre o treinador principal e seus auxiliares.

O treinador de defesa, por exemplo, dedica-se a elaborar planilhas de posicionamentos, analisar cenários de bola parada e orientar defensivamente antes mesmo do jogo começar. Em atuação no Campeonato Paulista Sub-17, o auxiliar Mauricio Souza comenta:

“Eu me reúno semanalmente com o treinador e o analista de desempenho. A gente define prioridades táticas, quem irá pressionar, quem dará cobertura… sem alinhamento prévio, não tem execução em cadeia”.

A rotina dessa equipe é de muita “mão na massa”: montagem de tabelas, desenho de jogadas, análise de vídeos e briefing no vestiário. Lindsay Camila, uma das poucas mulheres à frente de equipes no Brasil, comenta a função do assistente.

“Quando assumi a Ferroviária, percebi logo que a função do assistente ia muito além de orientar. Era preciso saber lidar com personalidade, expectativas e ambições. Uma comissão técnica que se entende, joga junto”.

MULHERES GANHAM ESPAÇO EM COMISSÕES TÉCNICAS

O cenário ainda é dominado por homens, mas as mulheres conquistam espaço com competência e resistência. Em 2021, um estudo identificou estratégias de “subversão e resistência”: estudar, provar valor e enfrentar estereótipos de gênero para permanecer na função

Helena Pacheco, ex‑treinadora de base que revelou a “Messi” do futebol feminino, a atacante Marta, enfrentou barreiras desde cedo:

Na faculdade de Educação Física, me proibiam de cursar disciplinas relacionadas ao futebol. Fui atrás, fiz cursos paralelos… e venci”, relata Helena

Já Bia Vaz, auxiliar da seleção feminina, aponta desafios cotidianos na transição do vestiário para a comissão:

“Como ex‑jogadora, entendo o que a jogadora sente. Mas no campo de apoio, existe outra pressão. Tem que provar duas vezes mais”, destaca a profissional.

E há as que avançam para liderar. Lindsay Camila, que venceu a Libertadores 2020 com a Ferroviária, ressalta:

“Ser mulher e treinar homens ou mulheres exige uma sensibilidade diferente. Mas o futebol exige resultados: se chegar e fazer, ganha respeito”, assinala Lindsay.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL E EQUILÍBRIO

Muitos treinadores e auxiliares vieram de outras áreas: fisioterapia, psicologia, análise de desempenho. Isso cria um ambiente multidisciplinar onde ciência e técnica se encontram. Helena Costa, treinadora portuguesa que passou por Qatar e Irã, reforça:

“Tenho mestrado em Esporte e licença UEFA A. Mas o que mudou tudo foi entender: treinador é gestor de pessoas, não só de tática”.

A gestão de pessoas é um dos fatores-chave. Um artigo sobre a transição de jornalistas para técnicos destaca:

“Julian Nagelsman diz que tática é 30% e habilidades 70% do trabalho de um treinador”.

ESTRUTURA DE UMA COMISSÃO MODERNA

Hoje em dia uma comissão divide funções de modo bastante especializado. Abaixo um exemplo de tais estruturas no mund0 do futebol no século XXI

Hoje, comissões modernas dividem funções de modo especializado. Por exemplo:

Função Responsabilidades
Analista de desempenho Estuda dados GPS, estatísticas de precisão e velocidade, gera relatórios semanais.
Treinador de goleiros Prepara rotinas técnicas únicas: saída de bola, reposição, situações de jogo.
Psicólogo esportivo Trabalha rotinas de mentalização, foco, lida com ansiedade pré-jogo.
Preparador físico Planeja cargas de treino, prevenção de lesões, condicionamento.
Médico e fisioterapeuta Tratamento de contusões, monitoramento físico diário.

Nesta orquestra, o técnico principal é o maestro. Sem afinação entre os instrumentos — táticos, físicos, mentais —, a música (jogo) desafina.

DESAFIOS E RUMOS

Mesmo com avanços, o caminho segue tortuoso. Dados de seleções femininas mostram que a presença das mulheres em comissões nacionais aumentou, mas falta investimento real. A necessidade de programas de formação, bolsas e reforço institucional permanece urgente.

O ensino superior ainda reflete desigualdade estrutural. A busca por equiparação incentivada pela CBF com licenças e cursos tem ajudado — mas modelos e representatividade real ainda são pequenos passos à frente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comissão técnica é o coração invisível de uma equipe. Ali, homens e mulheres trabalham lado a lado: elaboram estratégias, cuidam de corpos, ajudam mentes, resolvem crises e gerenciam conflitos. A presença feminina — ainda numericamente pequena — já transforma esse cenário, trazendo sensibilidade, empatia e visão renovada.

Entre falhas e brigas, vitorias e derrotas, o futebol se constrói longe dos holofotes. É ali, na sala de vídeo, no campo de treino, no vestiário, que uma comissão técnica deixa sua marca. O futuro dessa engrenagem passa por mais mulheres, mais investimento e a certeza de que quem trabalha por trás da beira do campo merece tanto destaque quanto quem apita o jogo.