Futebol e fé: A religião dentro e fora dos gramados, apoio e intolerância

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Futebol e Religião
Imagem: youtube

O Brasil é o País do futebol, mas também uma Nação de extrema religiosidade e pluralismo. Tais características também se refletem em campo, tanto em seu melhor aspecto – com a fé que fornece apoio a atletas, treinadores e outros profissionais – quanto na lamentável intolerância que também pode atingir o mundo da bola.

No universo apaixonante do futebol, onde talento, estratégia e emoção se encontram, há também espaço para um elemento muitas vezes invisível, mas profundamente presente: a fé.

Seja nas orações antes do jogo, nos gestos de agradecimento após um gol ou nos discursos de superação em entrevistas, a religião aparece como uma força que move jogadores, técnicos, árbitros e até dirigentes.

Mas qual é, afinal, o papel da fé no futebol? Ajuda ou atrapalha? O ambiente esportivo respeita as manifestações religiosas ou há perseguições? E de que forma os atletas equilibram sua crença com a responsabilidade profissional?

DIFERENTES EXPRESSÕES DA FÉ: MARCA DO FUTEBOL MODERNO

No Brasil o sincretismo religioso é algo culturalmente muito presente. Por isso, é muito comum ver jogadores fazendo o tradicional sinal da cruz católico antes de entrarem em campo. Também há os que se ajoelham para orar ou que vestem camisas com mensagens de caráter religioso.

O ex-atacante Cacá, por exemplo, sempre foi um exemplo bastante emblemático. Declaradamente evangélico, ele celebrava seus gols apontando para o céu e habitualmente usava, quando defendia o Milan, uma camisa sob o uniforme com alguma mensagem religiosa.

Outro exemplo é o goleiro Alisson Becker, do Liverpool e da Seleção Brasileira. Cristão praticante, ele já declarou:

“A fé é a base de tudo na minha vida. Ela me dá equilíbrio emocional para lidar com a pressão do futebol.”, enfatizou o arqueiro em uma entrevista ao jornal inglês The Guardian.

PLURALISMO

Mas o futebol não é só cristão e isso deve ficar bem claro. Há muçulmanos, judeus, espíritas, umbandistas, ateus e praticantes de religiões de matriz africana também nos gramados de todo o mundo.

O senegalês Sadio Mané, que atuou pelo Liverpool e Bayern de Munique e hoje está no Al-Nassr da Arábia Saudita, é muçulmano e conhecido por suas orações no gramado. Também realiza ações beneficentes guiadas por princípios islâmicos. Ele frequentemente recusa comemorações extravagantes, preferindo gestos de humildade.

FÉ COMO APOIO PSICOLÓGICO

Especialistas frequentemente apontam a fé como uma poderosa ferramenta para manter o equilíbrio emocional dos atletas. A psicóloga do esporte Carolina Tavares destaca:

“A fé pode ser uma âncora emocional. Ajuda o atleta a lidar com frustrações, derrotas e lesões. Quando bem equilibrada, ela não interfere no desempenho técnico. Pelo contrário, contribui”, explica a psicóloga.

Estudos do Comitê Olímpico Internacional apontam que cerca de 85% dos atletas afirmam ter alguma crença espiritual ou religiosa, e 60% consideram que a fé influencia positivamente seu desempenho esportivo.

INTOLERÂNCIA

Infelizmente, a fé também pode ser fonte de conflito. Em 2021, o atacante Richarlison, da Seleção Brasileira, foi alvo de críticas nas redes sociais por declarar que “Jesus é o caminho” em uma entrevista pós-jogo. Embora tenha apoio de muitos fãs, houve quem considerasse a fala uma imposição religiosa.

Outro caso polêmico envolveu o árbitro Cléber Wellington Abade, que alegou ter enfrentado resistência em jogos por se declarar umbandista. “Já ouvi colegas dizendo que era ‘coisa do demônio’ e que isso podia influenciar no jogo”, contou em entrevista ao UOL Esporte.

O respeito à diversidade religiosa ainda é um desafio. Clubes e federações, na maioria das vezes, não têm políticas claras sobre liberdade de crença. No entanto, organizações como a Atletas de Cristo — associação fundada em 1984 no Brasil — buscam dar voz a jogadores evangélicos e promover valores cristãos no esporte.

CLUBES E LÍDERES RELIGIOSOS

Em alguns clubes a religião tem influência institucionalizada. O Atlético Mineiro e o São Paulo, por exemplo, já tiveram capelães – líderes religiosos que oferecem aconselhamento espiritual a atletas e funcionários. Em Copas do Mundo também é comum que algumas seleções levem padres, pastores ou líderes espirituais para acompanhar seus jogadores.

Mas essa aproximação gera debate. Há quem acredite que o espaço religioso no futebol deve ser limitado, para não afetar a neutralidade das instituições. Outros defendem a liberdade individual, desde que não haja proselitismo.

REFLEXÃO

Como um reflexo da sociedade, se há fé nas ruas, praças e templos, também haverá nos gramados. A questão não é a presença ou ausência de religião no esporte, mas o respeito às diferenças. Crença não deve ser usada como arma de segregação, e sim como ponte de compreensão e força interior.

Como disse o ex-técnico da Seleção Brasileira Tite, ao falar sobre sua espiritualidade durante a Copa de 2018: “Eu sou católico, mas respeito todas as religiões. O futebol é um espaço de união, não de separação.”