Os laterais do século XXI: de marcadores a maestros do meio de campo

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Pep Guardiola
Pep Guardiola (Foto: Twitter / Manchester City)

Um novo tipo de lateral tem surgido no futebol mundial nos últimos anos, não dedicados unicamente à marcação, porém bem mais cerebrais e com forte presença no meio de campo. Neste texto analisamos tal tendência nos gramados nos últimos tempos.

No futebol moderno, o papel dos laterais está passando por uma verdadeira revolução: da tradicional função de marcar na linha de fundo, esses atletas agora se transformam em arquitetos de jogo, circulando pelo meio de campo e ditando o ritmo das partidas.

Eles não são apenas pulmões, mas também cérebro – peças-chave na construção ofensiva. O novo fascínio das redes sociais e o impacto no Google refletem esse fenômeno: “laterais meio de campo” só cresce em busca.

A GÊNESE DA TENDÊNCIA: GUARDIOLA, LAHM E CRUYFF

Tudo começou com Philipp Lahm, que, sob o comando de Pep Guardiola no Bayern, foi “descoberto” no meio-campo, exercendo função de volante e iniciando uma era de laterais invertidos.

Guardiola, porém, só levou o conceito às estrelas globais com João Cancelo e Oleksandr Zinchenko no Manchester City, transformando o 4-3-3 em estruturas como 3-2-4-1 com laterais circulando por. O pressentimento tático? Criar superiores numéricos no meio, controlar o jogo e ampliar opções sem perder segurança.

Porém, o berço filosófico dessa ideia está em Johan Cruyff e no “futebol total”, onde posições são substituíveis e o movimento gera espaço – inspirado em Ajax e Barcelona. Guardiola resume bem: “você controla o jogo não apenas com a bola, mas também com a posição de seus laterais.”

ARQUITETOS EM CAMPO: CANCELO, ZINCHENKO E HAKIMI
  • João Cancelo (Al Hilal) é o arquétipo do lateral híbrido: ora no meio, ora aberto, conectando linhas e criando chances.
  • Oleksandr Zinchenko, reposicionado por Guardiola e replicado por Arteta no Arsenal, virou peça fundamental: arma invisível que sustenta o meio e abre caminhos.
  • Trent Alexander‑Arnold (Real Madrid) alcançou fama como um zagueiro-criador, variando entre passes longos, dribles e tiros de linha-media – essencial em 2025.
  • Achraf Hakimi, no PSG, combina velocidade impressionante com saída decisiva – eleito o melhor lateral do mundo no mesmo ranking.

Na Premier League Roberto De Zerbi e Mikel Arteta incorporaram elementos dessa escola de laterais modernos: Arteta sempre utilizou Ben White como zagueiro–lateral intermediário, criando dinâmicas que confundem adversários e funcionam como intérpretes do espaço.

MIX DE ESTILOS: INVERTIDO, OVERLAPING E CRIADOR

Segundo análise da Football Insides, os laterais modernos garantem variação tática. Veja segundo a terminologia em inglês.

  • Inverted full-back: Cai para o meio, gera superioridade numérica.
  • Overlapping full-back: Vai até a linha, esticando defesa adversária.
  • Underlapping: Incursiona pelos meios–espaços, criando zonas de perigo.
  • Deep-lying creator: Opera quase como um distribuidor de jogo, como Alexander‑Arnold.

Essa mescla traz imprevisibilidade e exige jogadores com alta capacidade técnica, inteligência tática e preparo físico de atleta e meio-campista.

RISCOS E CONSEQUÊNCIAS

Entretanto, a ousadia tem consequências. Inverter laterais demais deixa flancos expostos e dependentes de zagueiros atentos. Isso torna a leitura de espaço crucial para evitar contra-ataques letais.

A variação técnica – essencial – exige pilares como espaço de cobertura, temporizações perfeitas e ajustes sincronizados do time para fechar os buracos.

QUEM POPULARIZOU PRIMEIRO?

A versão moderna desse movimento foi impulsionada por Guardiola com Lahm, Cancelo e Zinchenko, mas suas raízes remontam a Cruyff. No entanto, nos últimos anos, Klopp, Simeone e Xabi Alonso replicaram com sucesso essas ideias em diferentes estilos.

  • Jürgen Klopp instituiu laterais criadores com Alexander‑Arnold e Robertson no Liverpool, elevando assistências e criatividade.
  • Xabi Alonso, no Bayer Leverkusen, aplicou sistema 3‑4‑3 com wing‑backs explosivos (Grimaldo, Frimpong), garantindo fluidez entre defesa e ataque e levando seu time a títulos em 2024–25.
  • Diego Simeone, por sua vez, mantém sobriedade tática, adaptando laterais como departamentos defensivos no Atlético de Madrid.
VOZES DA MUDANÇA: TÉCNICOS E JOGADORES

Mikel Arteta reconhece o desafio: “todos nós acreditamos que ele tinha as qualidades para desempenhar esse papel. O passo mais importante foi ele acreditar que poderia fazê-lo”. afirmou sobre Ben White.

Já Pep Guardiola, referência tática, deixou claro: “você controla os jogos não apenas com a bola, mas também com a posição de seus laterais.

Luke Shaw, do Manchester United sob Erik ten Hag, brincou sobre sua nova função central: “de fato eu fiquei surpreso de ter de atuar dessa maneira, mas tem dado tudo certo”, demonstrando a fluidez e a confiança necessárias.

O IMPACTO E A FORMAÇÃO NO FUTURO

Hoje, as categorias de base valorizam laterais polivalentes: técnicos focam em ensinar passes, leitura de jogo e dinâmica posicional. Jogadores outrora treinados apenas para marcar agora simulam avançadas, meio‑campo e distribuem jogo, como Zinchenko, Alexander‑Arnold, Grimaldo, Hakimi, Dimarco e Theo Hernández.

O resultado é que os laterais que quebram linhas, criam chances e ditam o ritmo chegaram para ficar. A expectativa é que, até 2030, crianças de hoje já iniciem como “centrais móveis” em campo.

CONCLUSÃO

O lateral evoluiu: deixou de ser simples marcador e se transformou em maestro. Da linha de fundo ao meio-campo, agora coordena ritmo, cria espaços e amplia opções ofensivas.

Seja com a inteligência de Lahm, a ousadia de Cancelo, a visão de Alexander‑Arnold ou a objetividade de Hakimi, um novo perfil está consolidado: o lateral híbrido, peça vital no xadrez tático do futebol do século XXI.