Fair play financeiro no Brasil: medida urgente ou blindagem para gigantes?

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Textor e Ronaldo Fenômeno
SAFs bem-sucedidas, motivam pedido de fair play financeiro/Montagem Instagram de Botafogo e Cruzeiro

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) deu início às discussões para implementar um sistema de fair play financeiro na Série A do Brasileirão com o objetivo de reduzir as disparidades entre clubes e conter gastos excessivos.

Uma proposta formal deverá ser apresentada no CBF Summit, agendado para o dia 26 de novembro de 2025. O sistema, porém, tem alguns críticos, que acusam os propositores de apenas estarem tentando proteger a supremacia de alguns clubes.

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PANORAMA FINANCEIRO DO FUTEBOL BRASILEIRO

O futebol brasileiro vive um momento paradoxal. Em 2024, os clubes da elite geraram mais de R$ 10,5 bilhões em receitas, recorde histórico. No entanto, essa performance contrasta com um endividamento alarmante: segundo o Grupo de Trabalho criado pela CBF, a dívida das equipes ultrapassou R$ 10 bilhões em 2025, um crescimento de 22% frente ao ano anterior.

Essa explosão de custos também se reflete no aumento expressivo nos gastos com contratações, especialmente de atletas experientes vindos da Europa, inflacionando a folha salarial e elevando os riscos financeiros dos clubes.

O QUE MOTIVA A PROPOSTA DA CBF?

A iniciativa da CBF de criar regras financeiras mais rígidas busca justamente equilibrar a “indústria do futebol” mediante a saúde fiscal dos clubes, como resumiu o economista César Grafietti.

Além disso, o presidente da entidade, Samir Xaud, ressaltou que colocar esse tema como prioridade reflete um compromisso com a sustentabilidade do futebol nacional e com a confiança dos investidores.

CRONOGRAMA E PARTICIPAÇÃO
  • 29 de julho de 2025: CBF instituiu formalmente um Grupo de Trabalho (GT), com 32 clubes da Série A e B e oito federações estaduais, coordenado pelo vice-presidente Ricardo Gluck Paul.
  • Esse GT tem um prazo de 90 dias após a primeira reunião (prevista para logo após o Mundial de Clubes) para apresentar o Regulamento do Sistema de Sustentabilidade Financeira (SSF), com implantação gradual a partir de 2026.
  • Em 11 de agosto de 2025, nova rodada de debates com 34 clubes (Séries A/B) e 10 federações confirmou que a proposta será apresentada oficialmente em 26 de novembro, no CBF Summit.
SAFs AMEAÇAM MONOPÓLIOS?

Há quem argumente que a urgência do fair play financeiro estaria relacionada ao surgimento de SAFs, como Botafogo e Bahia (do Grupo City), que passaram a investir em estrutura e jogadores e, assim, desafiar a hegemonia de Flamengo e Palmeiras. No entanto, aponta Grafietti:

“O que Flamengo e Palmeiras fazem é justificável. O Bahia também, porque é do Grupo City, que tem muito dinheiro. Os outros, não, porque ninguém tem todo esse dinheiro. Só que eles se sentem na obrigação de ‘correr’ para acompanhar esses que têm mais condição.”

Ou seja, o problema não estaria justamente em se equiparar aos grandes, mas sim em tentar concorrer com eles, mesmo sem fôlego financeiro.

CRÍTICAS E RESISTÊNCIAS

Existem vozes céticas em relação ao fair play financeiro:

  • Um dirigente anônimo afirmou que alguns torcedores consideram o movimento apenas “uma armação para evitar a concorrência com os gigantes”, sem de fato democratizar o futebol.
  • O próprio Corinthians, um dos clubes mais endividados (com cerca de R$ 2,3 bilhões de dívida em 2024), não se inscreveu no grupo de trabalho. Isso reforça a percepção de que “quem jamais vai cumprir as regras” se abstém de participar.
  • Outro dirigente, falando sob condição de anonimato, criticou:

“Parece regulagem rápida para deixar os clubes menores fora da disputa, enquanto os mais ricos seguem operando livremente”.

EQUILÍBRIO OU PROTEÇÃO AOS PODEROSOS?

Do lado favorável ao fair play financeiro, defensores como Leila Pereira (presidente do Palmeiras) defendem que a medida pode tornar o futebol mais igualitário e ser um passo essencial antes de se pensar em uma liga unificada.

Mas críticos alertam para um possível efeito perverso:

“Enquanto os grandes conseguem cumprir e manter seus investimentos, os menores podem ficar imobilizados, ampliando o desequilíbrio”, declara um comentarista esportivo do Nordeste.

O QUE ESTÁ EM JOGO?

O fair play financeiro proposto pela CBF pode:

  • Forçar clubes a disciplinarem receitas e despesas, evitando acúmulo de débitos e atraso nos salários.
  • Tornar o Brasileirão mais sustentável e atraente para patrocinadores e investidores.
  • Premiar boa governança e punir gestões irresponsáveis.

Em contrapartida, se mal calibrado, pode:

  • Reforçar desigualdades já existentes, penalizando os mais modestos.
  • Ser percebido como um mecanismo de preservação da hegemonia dos clubes já consolidados.
CONCLUSÃO          

A discussão sobre fair play financeiro no Brasileirão reflete um momento crucial. Não se trata apenas de coibir gastos excessivos, mas de promover competitividade sustentável – ou, nas palavras de Samir Xaud, “construir um futebol mais sólido e sustentável”.

Se a proposta for estruturada com clareza, transição gradual e diálogo amplo, pode fortalecer o sistema. Do contrário, existe o risco de que a medida – ainda que bem-intencionada – favoreça os poderosos e isole os demais.