Quando clube vira satélite: o caso Julio Enciso

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Enciso
Julio Enciso/Divulgação

No último dia 20 o Brighton oficializou a saída do paraguaio Julio Enciso para o grupo BlueCo – que controla o Chelsea e o Strasbourg – por 15 milhões de euros (aproximadamente R$ 95,9 milhões) mais bônus por desempenho.

O fato frustrou os planos do Palmeiras que, de acordo com o clube brasileiro, havia oferecido cerca de 10 milhões de euros por 60 % dos direitos econômicos do atleta.

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A estratégia do BlueCo é clara: Enciso será integrado inicialmente ao Strasbourg, de onde deve ser promovido ao Chelsea na temporada 2026/27.

MANOBRA

Essa manobra reflete o uso da rede de clubes para desenvolver talentos em ligas competitivas – no caso, a Ligue 1 – antes de ingressarem na Premier League.

Esse modelo, embora legal, tem gerado debates intensos. Torcedores do Strasbourg têm expressado preocupação de que o clube francês esteja sendo reduzido a um “satélite” do Chelsea.

Afinal, operações semelhantes foram realizadas com Andrey Santos e outros jovens promissores. A UEFA, por outro lado, monitora tais transações entre clubes do mesmo grupo para evitar violação das regras de fair‑play financeiro.

CONTEXTO DO MODELO DE MULTIPROPRIEDADE

Empresas como a BlueCo (Chelsea e Strasbourg) ou o City Football Group (Manchester City e outros) exploram o modelo de multipropriedade para otimizar o desenvolvimento de talentos. Isso permite, por exemplo:

  • Descentralizar jogabilidade — jovens ganham minutos em clubes secundários antes de assumirem espaço em equipes mais fortes.
  • Contornar regras de limitação de minutos ou quotas estrangeiras em ligas como a Premier League.
  • Maximizar o valor de revenda ou impacto esportivo dos atletas, quando bem aproveitados em mercados europeus.

No caso de Enciso, o plano envolveu o pagamento elevado pelo BlueCo e um contrato de longo prazo que garante o retorno ao Chelsea.

REAÇÃO DO PALMEIRAS E TORCEDORES

O Palmeiras sofreu um revés significativo. O jovem paraguaio era visto como peça-chave para a Libertadores de 2025. Só para ter ideia, o clube já havia anunciado reforços como Ramón Sosa, Khellven, Jefté e Carlos Miguel, justamente para tentar contornar essa perda.

Torcedores palmeirenses também reagiram com frustração, especialmente diante da rapidez e da escala da operação montada pela BlueCo. O contexto reforça a crescente dificuldade dos clubes brasileiros de competir financeiramente com grupos europeus consolidados.

ESPECIALISTAS ANALISAM

Segundo analistas do setor, esse modelo de multiclubes ameaça a autonomia dos clubes. Um comentarista resumiu: “o Strasbourg corre o risco de virar uma filial do Chelsea, sem voz sobre sua própria política esportiva”. Outro avaliou que “a prática, embora dentro das normas, empobrece a diversidade competitiva”.

Um ex-dirigente de clube afirmou: “Quando o desenvolvimento de jogadores passa por escolhas de mercado, e não pela identidade esportiva local, o futebol perde parte de sua essência”.

Para torcedores, o sentimento é dividido: enquanto alguns veem oportunidades de projeção internacional, outros se sentem traídos — especialmente porque o Strasbourg é tradicional no futebol francês. A percepção de ser apenas um trampolim causa revolta entre a torcida.

REGRAS E FAIRPLAY FINANCEIRO

A UEFA tem endurecido o monitoramento dessas operações. Embora não haja ilegalidade clara, o órgão exige transparência e demonstração de que os clubes envolvidos operam com independência financeira e esportiva. Transações entre clubes relacionados devem ser justificadas por questões técnicas e não apenas estratégicas para contornar regulamentos.

PERDA DE RELEVÂNCIA

Se o modelo prospera, clubes menores podem perder relevância esportiva local. A essência do jogo – rivalidade, competição justa e identidade regional – pode ser substituída por jogos de bastidores e acordos financeiros.

Contudo, clubes como o Brighton, que têm respaldo financeiro sólido, conseguem segurar atletas e ter poder de barganha, como demonstrado por suas vendas sempre acima do mercado, com exemplos como João Pedro, Mac Allister, Cucurella e Caicedo.

CONCLUSÃO

A transferência de Julio Enciso, com possível parada no Strasbourg antes de uma futura ida ao Chelsea, encarna o modelo moderno de multipropriedade esportiva. Legalmente aceitável, esse sistema, contudo, levanta sérias questões sobre autonomia, ética esportiva e identidade dos clubes envolvidos.

Para os torcedores, especialmente do Strasbourg, há a sensação de estar diante de um projeto de negócios sofisticado, mas insensível à alma do clube.

Para times como o Palmeiras, o episódio é um alerta sobre a necessidade de modernizar seus processos de negociação para enfrentar a pressão dos gigantes europeus.