Gramado x lucro: o dilema das arenas modernas no País

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show no Mineirão
Show Mineirão/Foto da Administração do Mineirão

Estádios de futebol, historicamente dedicados apenas à prática do esporte mais popular do planeta, têm sido cada vez mais utilizados também para outros tipos de eventos – shows musicais, eventos religiosos, cultos, convenções.

Porém, essa prática, que por um lado pode trazer renda extra e utilidade às praças esportivas, também gera desafios consideráveis para clubes, gramados e torcedores. O que pesa em cada lado? Neste texto analisaremos a questão.

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OS PRÓS: ARRECADAÇÃO E USO EFICIENTE
  1. Receita adicional: shows e eventos não‑esportivos costumam pagar valores elevados de locação, logística, direitos de imagem e uso dos espaços. O dinheiro, obviamente, ajuda a amortizar custos fixos do estádio (manutenção, segurança, pessoal), que muitas vezes pesam no orçamento de clubes ou das administrações que gerenciam essas arenas.
  2. Melhor aproveitamento da estrutura do estádio: em períodos de entressafra ou fora da temporada oficial de futebol, esses estádios ficavam subutilizados. Com shows ou eventos culturais/religiosos, o local rende algo em vez de ficar parado.
  3. Visibilidade e impacto social: sediar um grande show ou evento pode reforçar a imagem do clube ou da arena, atrair turismo, gerar empregos temporários e movimentar o comércio local (hotelaria, alimentação, transporte).
  4. Possibilidade de modernização e melhoria: para poder receber shows de grande porte, estádios frequentemente investem em melhor infraestrutura (acústica, capacidade de palco, iluminação, som, segurança). Esses investimentos podem beneficiar também os jogos de futebol.
CONTRAS: GRAMADO, LOGÍSTICA E REDUÇÃO DE PERFORMANCE
  1. Danos ao gramado: estruturas de palco, torres de iluminação, equipamentos pesados e público em áreas cobertas ou até sobre o campo podem compactar o solo, prejudicar drenagem, bloqueio de luz solar, causar desgaste ou até arrancar trechos de grama. Um exemplo recente: o gramado do MorumBis sofreu com shows da Stray Kids, em que torres de iluminação ficaram sobre áreas centrais e deixaram marcas profundas que precisaram de reparo rápido.
  2. Calendário apertado / conflito de datas: Os shows costumam ocupar dias inteiros de preparação, montagem, desmontagem, limpeza. Esta preparação pode coincidir com jogos, treinos ou compromissos do clube, exigindo remanejamento de partidas, deslocamento de mandos ou até adiamentos, o que gera custos e incômodo.
  3. Impacto sobre desempenho esportivo: gramados em más condições afetam o estilo de jogo, provocam lesões, reduzem a qualidade técnica e física dos jogadores. Por exemplo, o técnico Leonardo Jardim, do Cruzeiro, clube que está bem-posicionado na disputa do título do Brasileirão-25 criticou o gramado do Mineirão dizendo: “O Mineirão, e isso é uma crítica, o gramado não tem estado em condições. Um clube grande como o Cruzeiro tem que ter um gramado melhor.”
  4. Custo de manutenção elevado: o dano deve ser reparado, o gramado replantado ou relembrado, adubação, drenagem, irrigação aumentada. Esses custos acabam consumindo parte significativa da receita do evento, podendo mesmo superar os ganhos se não bem planejados.
  5. Percepção negativa da torcida ou stakeholders: fãs podem reclamar de campos ruins, atrasos, ordens de despejo do estádio, acústica ou visibilidade ruins. Além disso, há risco de que clube ou estádio sejam vistos como priorizando show/cobrança sobre o futebol.
EXEMPLOS CONCRETOS
  • MorumBis após shows da banda Stray Kids, o gramado ficou marcado por estruturas de iluminação que alteraram áreas centrais do campo, prejudicando jogos seguintes.
  • Beira‑Rio (Porto Alegre): o estádio do Internacional teve cinco shows em 50 dias, e jogos depois apresentaram irregularidades no piso. O clube garantiu que faria reparos, mas a sequência pesada de eventos sobrecarregou o gramado.
  • Maracanã: shows grandes e continuidade de eventos no fim da temporada deixaram o gramado com marcas perceptíveis, especialmente as apresentações do ex-Beatle Paul McCartney e da cantora Ivete Sangalo. A administração precisou usar período de descanso para recuperação, raspagem do solo, plantios e irrigação intensiva.
  • Castelão (Fortaleza‑CE): Um show de Elton John resultou em gramado castigado, descoloração e perda de qualidade. Torrões cobertos de palco, cadeiras especiais sobre a grama, tudo afetou o campo para partidas seguintes.
OPINIÕES DIVERSAS
  • José Trajano (comentarista) disse:

“O gramado sintético existe não por causa do futebol, é por causa dos shows. É onde o clube fatura dinheiro. Estão se lixando para a qualidade do espetáculo [jogo], se machuca jogador, se não machuca.”

  • Renato Gaúcho (técnico) criticou o uso de gramado sintético, afirmando:

“A grama sintética é ruim para todo mundo. Mesmo para um time que joga nela e está acostumado, ela é ruim. … Para poupar dinheiro na manutenção do campo da grama e para fazer show”, declarou.

  • Marlon (jogador), jogador do Cruzeiro, após uma vitória no Mineirão falou sobre o gramado pesado:

“Além de estar muito quente, foi um jogo muito pesado … o gramado estava muito pesado e estava ruim, estava soltando muito.”

  • Comentaristas do Mineirão criticaram o estado do gramado após shows:

“Olha só o gramado do Mineirão, algumas partes precisam melhorar. Algumas muitas, né? Há 20 dias que não tem jogo, não tem futebol, mas teve show na semana passada, dentro do gramado.”

POSSÍVEIS ALTERNATIVAS E BOAS PRÁTICAS

Para equilibrar prós e contras, há diversas estratégias que estádios ou clube podem adotar:

  • Proteções especiais no gramado durante shows (piso protetor, placas resistentes, sistemas que permitam ventilação, permitir entrada de luz solar). Essas medidas ajudam a reduzir danos. O estádio do Allianz Parque, por exemplo, após shows, constatou desgaste na cor da grama, mas disse que o nivelamento não foi afetado e que em cerca de uma semana a aparência será 100% recuperada.
  • Intervalos entre eventos / descanso do gramado: dar tempo para recuperação natural, com manutenção, troca de peças danificadas, adubação. Evitar mostrar calendário superlotado.
  • Planejamento de calendário para evitar choques com jogos importantes, competições, treinos. Escolher períodos menos críticos para shows.
  • Escolha de tipo de gramado: gramado natural de alta qualidade, híbrido ou alternativas menos agressivas. Embora o sintético seja discutido como solução, há grande oposição por parte de jogadores e técnicos. A qualidade da grama natural ainda é muito valorizada por proporcionar melhores condições de jogo.
  • Gestão especializada: administração do estádio, manutenção com agrônomos, equipes que conheçam bem o solo, clima, drenagem; investimento em infraestrutura que permita modularidade (montagem rápida, desmontagem rápida, proteção).
CONCLUSÃO: EQUILIBRANDO USO E PRESERVAÇÃO

O uso alternativo de estádios para shows e eventos sem dúvida traz ganhos importantes e fundamentais para os clubes, especialmente financeiros e de aproveitamento da estrutura. Por outro lado, sempre há riscos.

Afinal, o gramado e a qualidade do espetáculo de futebol podem ser comprometidos. Também podem ocorrer lesões e a reputação do clube ficará manchada.