Jogadores e intelectuais fora da curva: do ‘Doutor Sócrates’ aos atletas engajados da atualidade

11
Sócrates
Sócrates/Foto: Corinthians

No universo do futebol, onde o talento físico e a técnica parecem ditar todas as regras, há personagens que desafiam o estereótipo do jogador tradicional. 

São atletas que enxergaram além do gramado, buscando na educação, em outras carreiras ou em causas sociais uma forma de ampliar seu legado. O futebol, por ser o mais popular esporte do planeta e ter grande visibilidade, pode com certeza ser uma poderosa ferramenta de transformação da sociedade.

Bet365 button

Historicamente, a carreira de jogador sempre foi vista como um caminho de dedicação exclusiva, muitas vezes com pouco espaço para o estudo ou o ativismo. 

Entretanto, há nomes que romperam esse paradigma e mostraram que é possível conciliar a bola nos pés com o pensamento crítico e a responsabilidade social. Um dos exemplos mais emblemáticos dessa postura é o do inesquecível Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o “Doutor Sócrates”.

SÓCRATES, O DOUTOR QUE PENSAVA O FUTEBOL COMO POLÍTICA

Ídolo do Corinthians e da Seleção Brasileira, Sócrates foi um dos jogadores mais intelectualmente engajados de sua geração. Formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, ele conseguiu o feito raro de unir o futebol à reflexão social e política.

Durante as lutas pela democracia no início dos anos 1980, Sócrates foi uma das vozes mais importantes na Democracia Corintiana, movimento que defendia o voto dos jogadores e funcionários em decisões internas do clube.

“Queríamos mostrar que a democracia é possível em qualquer ambiente — até num clube de futebol”, disse Sócrates em entrevista concedida em 1984. A frase reflete seu ideal de liberdade e participação coletiva, num período em que o Brasil ainda saía das sombras do Regime Militar.

Mais do que títulos e gols, o “Doutor” deixou um legado intelectual. Em entrevistas, costumava afirmar que “pensar o futebol é tão importante quanto jogá-lo”, defendendo que o atleta também tem papel como cidadão. Sua figura transcendia o campo: era articulado, crítico e engajado com os rumos do país.

RASHEED WALLACE, JUAN MATA E O SOCIAL

O exemplo de Sócrates inspirou gerações. No cenário internacional, diversos atletas também romperam o molde tradicional e usaram sua visibilidade para defender causas. Um caso notável é o do espanhol Juan Mata, campeão mundial com a Espanha em 2010 e formado em marketing e ciências do esporte.

Mata é fundador do projeto Common Goal, que propõe que jogadores e clubes doem 1% de seus salários para iniciativas sociais no mundo todo. “Se todos nós dermos um pouco, o impacto será enorme. O futebol é muito mais do que um jogo, é uma força global”, disse o meia em entrevista à BBC Sport em 2018. 

Sua ação conquistou adesões de estrelas como Megan Rapinoe, Giorgio Chiellini e Serge Gnabry, mostrando que o ativismo pode conviver com o alto rendimento esportivo.

CAUSA LGBTQIA+

Outro exemplo vem do futebol feminino. A norte-americana Megan Rapinoe, campeã mundial e defensora dos direitos LGBTQIA+ e da igualdade de gênero, transformou sua imagem esportiva em símbolo de resistência.

Em discurso ao Congresso dos EUA em 2021, Rapinoe afirmou: “O esporte me deu voz, e eu a uso por aquelas que ainda não foram ouvidas.” O engajamento de atletas como ela reforça o papel do esporte na luta por representatividade e justiça social.

NO BRASIL, NOVOS CAMINHOS E EXEMPLOS MODERNOS

Se no passado Sócrates foi exceção, hoje cresce o número de jogadores brasileiros que buscam formação acadêmica ou envolvimento em causas fora do futebol. 

Rogério Ceni, por exemplo, é conhecido por sua visão tática e pela paixão por leitura e gestão. Embora não tenha formação universitária formal, o ex-goleiro e atual técnico do Bahia costuma citar livros de filosofia e liderança em suas entrevistas. “A leitura me ajuda a entender as pessoas e os momentos de decisão”, declarou Ceni em 2020.

Outro caso interessante é o de Raí, irmão de Sócrates, que além de jogador consagrado tornou-se gestor e defensor de causas sociais. Após se aposentar, fundou a Fundação Gol de Letra, que há mais de duas décadas oferece educação e inclusão para crianças e adolescentes em comunidades carentes. 

“O futebol me deu visibilidade, e eu senti que precisava devolvê-la em forma de oportunidades”, afirmou Raí em uma palestra no Instituto Ethos.

Mais recentemente, surgem jovens atletas preocupados com o futuro pós-carreira. Alguns buscam cursos de gestão esportiva, comunicação ou até psicologia, reconhecendo que o futebol é uma etapa — não um destino definitivo. Essa tendência reflete uma geração mais conectada e consciente, que entende o valor do conhecimento.

EDUCAÇÃO COMO NOVO JOGO: O FUTURO DOS ATLETAS PENSADORES

O investimento em formação não apenas prepara o jogador para a aposentadoria, mas também amplia sua visão de mundo. Em um ambiente muitas vezes marcado por pressão e isolamento, o estudo funciona como ferramenta de equilíbrio emocional e intelectual.

No cenário europeu, clubes como Ajax e Bayern de Munique já estimulam atletas das categorias de base a cursar ensino superior, como parte de um programa de “formação integral”. No Brasil, o movimento ainda é incipiente, mas ganha espaço com o apoio de entidades e iniciativas privadas.

Os novos “jogadores pensadores” são a prova de que o futebol pode ser ponte – não fronteira – entre esporte, educação e cidadania. Eles inspiram não apenas pela habilidade com a bola, mas pela coragem de pensar diferente.

CONCLUSÃO: A REVOLUÇÃO DOS PÉS E DAS IDEIAS

Os exemplos de Sócrates, Juan Mata, Megan Rapinoe, Raí e tantos outros mostram que o verdadeiro impacto do futebol vai além dos estádios. Cada um deles, à sua maneira, mostrou que é possível usar a fama e a paixão coletiva para transformar realidades.

O futebol, quando aliado ao pensamento crítico e à ação social, se torna mais do que um espetáculo: torna-se uma linguagem universal de empatia, consciência e mudança.