Concentração de jogadores: foco absoluto ou ‘prisão’ emocional?

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Concentração dos jogadores
Foto; Concentração do Athletico (PR)/Foto do site do clube

A concentração dos jogadores antes das partidas é um tema que gera debates acalorados no futebol. Tradicionalmente, os clubes adotam o chamado “regime de concentração”, que consiste em isolar os atletas em hotéis ou na própria sede do clube, com alimentação controlada, descanso e treinamentos específicos

A ideia é que, ao afastar os jogadores de distrações externas, eles possam manter o foco total no desempenho esportivo. Mas será que essa prática realmente traz benefícios? Ou já passou da hora de repensar esse modelo?

ORIGEM E LÓGICA DA CONCENTRAÇÃO

A concentração, segundo especialistas, foi criada como uma espécie de “terapia coletiva” para equilibrar o estado emocional dos jogadores, evitando interferências externas que possam prejudicar a performance.

Conforme Toledo (2000), a concentração visa garantir descanso e alimentação regrada, além de preparar o time taticamente e psicologicamente para o desafio que virá.

No entanto, a prática também é regulamentada pela legislação trabalhista, que determina que o atleta pode ser obrigado a concentrar-se por até três dias por semana, quando houver competição oficial fora da sede do clube. Isso mostra que a concentração é uma prática institucionalizada, mas não isenta de críticas.

HISTÓRIAS REAIS E FUGAS

Nem sempre a concentração é levada a sério por todos os jogadores. Um episódio clássico ocorreu na véspera da Copa do Mundo de 1986, quando o lateral Leandro e o atacante Renato Gaúcho fugiram da concentração da Seleção Brasileira. Renato foi cortado da lista, e Leandro renunciou à sua vaga, mostrando que a rigidez do regime pode gerar conflitos e desgaste emocional.

Mais recentemente, jogadores como Fred já criticaram o modelo, afirmando que a concentração “não deixa o atleta ter vida”, dificultando o convívio com a família e a recuperação mental.

Essa visão ganhou força especialmente na Europa, onde o regime de concentração praticamente não existe, e os atletas têm mais liberdade para dormir em casa antes dos jogos.

O QUE DIZ A CIÊNCIA

Do ponto de vista científico, a concentração é fundamental para o rendimento esportivo. Estudos indicam que a atenção focada e o controle emocional são decisivos para o desempenho dos atletas, que precisam manter o foco mesmo sob pressão intensa.

A ex-psicóloga da Seleção Brasileira Suzy Fleury ressalta que “o rendimento muitas vezes aparece quando as pessoas conseguem ficar absolutamente concentradas no que estão fazendo”.

Por outro lado, o excesso de rigidez e isolamento pode gerar ansiedade e estresse, prejudicando a performance. O equilíbrio entre descanso, preparação e vida pessoal é fundamental para que o atleta esteja em seu melhor estado físico e mental.

QUEM DEFENDE E QUEM CRITICA A CONCENTRAÇÃO

Entre os defensores da concentração, treinadores como Abel Braga argumentam que “o regime ajuda a criar um ambiente controlado, onde o grupo se une e se prepara com foco total para o jogo”. Para eles, a concentração é uma ferramenta importante para manter a disciplina e a motivação.

Por outro lado, técnicos como Levir Culpi já declararam que “ninguém gosta de concentrar. Dormir com a família é muito melhor do que ficar 30 homens dormindo aqui no centro de treinamento”. Essa opinião reflete uma tendência crescente de flexibilização, valorizando o bem-estar psicológico do atleta.

Jogadores também se dividem: enquanto alguns preferem a concentração para evitar distrações, outros sentem falta do convívio familiar e acreditam que isso melhora a recuperação emocional.

O FUTURO

Com a evolução da psicologia esportiva e o aumento da preocupação com a saúde mental dos atletas, muitos clubes e seleções têm repensado o regime de concentração.

A tendência mundial é buscar um equilíbrio, permitindo que o jogador tenha liberdade para dormir em casa, desde que cumpra com a preparação física e tática necessária.