
Inaugurado no distante ano de 1910, o Old Trafford não é apenas um estádio: é um símbolo da identidade do Manchester United, um dos gigantes do futebol inglês. Com capacidade para cerca de 75 mil pessoas, o “Teatro dos Sonhos”, como foi batizado por Bobby Charlton há décadas, se tornou, sem dúvida, uma referência mundial em tradição, paixão e história.
No entanto, após mais de uma década de resultados esportivos irregulares e crises internas, o clube iniciou uma profunda reconstrução institucional, que começa nos bastidores, passa pelo vestiário e se estende à arquibancada.
A administração do clube está promovendo uma verdadeira transformação cultural. Isso inclui, por exemplo, a modernização das instalações físicas do estádio, uma reconfiguração da gestão esportiva e, sobretudo, uma valorização renovada da relação com os torcedores. O processo tem sido conduzido com equilíbrio entre inovação e respeito às tradições, uma equação rara no mundo do futebol moderno.
CENTRO DA CULTURA
O vestiário está no centro da revolução do United. Mais do que um espaço físico, se tornou um símbolo do resgate da identidade do clube. A chegada do técnico Erik ten Hag em 2022 marcou o início de um novo ciclo, com foco em disciplina, coesão e mentalidade vencedora.
“O vestiário precisa ser um reflexo da cultura do clube. Se há desunião ali, ela se espalha para o campo”, disse Ten Hag na ocasião. O atual treinador, Rubem Amorim, também pensa da mesma maneira sobre a importância da cultura do vestiário
A reconstrução passa por uma gestão mais rígida da conduta dos atletas, com ênfase em profissionalismo e comprometimento. Casos recentes, como o afastamento de jogadores por questões disciplinares, demonstram que o clube está disposto a priorizar os valores institucionais em vez de nomes.
De acordo com a jornalista britânica Melissa Reddy, especialista em bastidores da Premier League, “o Manchester United percebeu que precisava reeducar seus atletas sobre o que significa vestir essa camisa. O vestiário voltou a ser um lugar de respeito, e isso está impactando positivamente os resultados”.
MODERNIZAÇÃO + IDENTIDADE
A modernização de Old Trafford vai além do campo e das arquibancadas. Abrange alta tecnologia, sustentabilidade e uma nova relação com o torcedor. Os sistemas de som e iluminação foram atualizados, áreas de hospitalidade foram repaginadas e há planos para uma possível ampliação da capacidade. Tudo isso sem apagar o charme do estádio centenário.
“O desafio era modernizar sem perder a alma. Old Trafford é um templo do futebol, e ninguém quer ver esse símbolo descaracterizado”, afirmou John Murtough, diretor de futebol do clube. “Acreditamos que é possível unir tradição e inovação. É isso que estamos fazendo, passo a passo.”
TORCEDORES NO PROCESSO
Um ponto central da reconstrução cultural é valorizar os torcedores, um dos maiores patrimônios do clube. Nos últimos anos, o United intensificou a comunicação com as organizadas, criou canais diretos com sócios e reforçou sua atuação nas redes sociais, aproximando o fã da rotina do time. A relação com os torcedores foi abalada nos tempos de fracasso esportivo, mas agora é tratada como pilar estratégico.
Além disso, o Manchester United investiu em projetos de inclusão, como acessibilidade aprimorada para torcedores com deficiência e programas de integração comunitária, fortalecendo os laços com a cidade de Manchester.
EXEMPLO PARA OS BRASILEIROS?
O processo vivido em Old Trafford pode inspirar clubes brasileiros que enfrentam desafios semelhantes: estruturas antigas, perda de identidade e distanciamento da torcida.
O que tem ocorrido na Inglaterra com o estádio do Manchester United é uma lição de que é possível reestruturar a cultura institucional sem renunciar à história – algo ainda ausente em muitos clubes do Brasil.
A Arena do Grêmio e o Allianz Parque, do Palmeiras, são exemplos de estádios modernos, que tentam preservar a essência dos clubes. No entanto, a transição para esses novos modelos nem sempre foi acompanhada de uma reconstrução cultural profunda, como a que ocorre em Old Trafford.
O MorumBis, casa do São Paulo, talvez seja o mais próximo do modelo inglês. Afinal trata-se de um estádio tradicional, que sofreu reformas pontuais e mantém um vínculo afetivo forte com a torcida.
AVANÇAR SEM ESQUECER O PASSADO
O caso do Manchester United mostra que tradição e modernidade não são opostas, mas podem caminhar juntas quando há um projeto claro, respeito aos valores históricos e uma visão de longo prazo.
A reconstrução do vestiário e da cultura institucional em Old Trafford é um grande e importante exemplo de que grandes clubes podem se reinventar sem perder a alma.
O caminho, é claro não é nada simples, porém possível. Para os clubes brasileiros, especialmente os que têm uma rica história e torcida apaixonada, trata-se de olhar para o futuro com os pés firmemente plantados nas raízes do passado.