
Nos últimos anos, o futebol global tem se reinventado e cada vez mais clubes vêm entendendo que o sucesso dentro de campo precisa andar de mãos dadas com o compromisso ambiental.
Do arcabouço global até o cenário nacional, novas iniciativas, inclusive no Brasil, mostram que sustentabilidade e futebol podem, sim, caminhar juntos.
VANGUARDA
Na Inglaterra, um clube da quarta divisão tem dado aula de compromisso ecológico. Trata-se do Forest Green Rovers. Fundado em 1889, foi eleito pela FIFA como o “clube mais ecológico do mundo” e, em 2018, tornou-se o primeiro time de futebol certificado como neutro em carbono pela ONU
O clube, sob a liderança do empresário Dale Vince, adota práticas como:
- Gramado 100% orgânico, irrigado com água da chuva, sem pesticidas
- Energia solar para alimentar estádio, equipamentos e até cortador de grama automático
- Alimentação 100% vegana, tanto para atletas quanto para torcedores
- Foco em transporte sustentável: staff, jogadores e adeptos contam com infraestrutura para carros elétricos. Como disse Dale Vince: “produzimos nossa própria energia… temos um relvado orgânico… captamos água da chuva… não usamos químicos”.
REAL BETIS E O PROJETO FOREVER GREEN
Na Espanha, o Real Betis desenvolveu o Projeto Forever Green, uma plataforma aberta a iniciativas alinhadas com ESG. O clube neutralizou suas próprias emissões, instalou iluminação LED no estádio Benito Villamarín e implementou frotas de patinetes elétricos para funcionários. Segundo Rafael Muela, gerente da fundação do clube:
“Como clube, temos o dever […] temos que aproveitá-la [a consciência social]”
No mês passado, na III Gala Forever Green, o Betis apresentou projetos de reflorestação liderados por Repsol, iniciativa “No Home Jersey” das Ilhas Marshall e outras ações ambientais, consolidando-se como referência europeia.
HOLANDA E EUA
O Ajax adaptou sua Johan Cruyff Arena com mais de 4.200 painéis solares, baterias e até uma turbina eólica, visando tornar-se comutativamente neutro até 2030.
Nos EUA, o New York City F.C. planeja construir o primeiro estádio 100% elétrico da MLS, incluindo 1.900 painéis solares, com entrega prevista para 2027 e meta de neutralidade até 2040.
Também existem iniciativas ainda mais discretas, mas promissoras. Também nos EUA, por exemplo, o Vermont Green, clube semiprofissional da USL League Two, abriu suas portas em 2021 defendendo justiça ambiental, doação de 1% da receita a causas socioambientais, separação de resíduos e uso de instalações preparadas para solar e reutilização de dejetos.
E NO BRASIL?
Influenciado pelos modelos globais, o futebol brasileiro também entoru na roda de iniciativas verdes. Alguns exemplos:
- O Atlético Mineiro lidera na América Latina no ranking de sustentabilidade da GSBS, ficando em 25º lugar global e 1º entre clubes do continente. Sua Arena MRV abriga 22% da área preservada, sistemas de captação de água, e um instituto socioambiental que investiu R$ 8 milhões em 2023
- A Neo Química Arena, do Corinthians, instalou painéis solares para abastecimento local. Já o Maracanã conta com um biodigestor que transforma resíduos em gás para uso no estádio.
- O Castelão (Fortaleza e Ceará) foi o primeiro estádio da América do Sul a receber certificação LEED, com coleta de água da chuva para irrigação e torneiras com sensores.
- O Criciúma promove o “Recicla Junto”, programa que coletou mais de 15 mil toneladas de resíduos em jogos
- O Internacional mantém certificação LEED Silver e economiza cerca de 160 toneladas de CO₂ por ano, além de usar captação de água da chuva para os sanitários.
- O Juventude instalou 240 painéis solares no estádio e CT, alcançando economia de cerca de R$ 10 a 15 mil/mês e reuso de água pluvial.
- O Goiás firmou parceria para abastecer 50% do Complexo da Serrinha com energia solar.
- O Coritiba implementou o programa “Nossa Identidade Verde” para tratamento de resíduos no estádio e CT.
- Além desses, o recém-fundado Clube Laguna SAF (RN) foi o primeiro clube “vegano” do Brasil e da América Latina; serve refeições veganas no CT seis vezes ao dia e integra cinco ODS da ONU, desde sua filiação ao Pacto Global.
QUAL A IMPORTÂNCIA DESSAS MEDIDAS?
O setor futebolístico global emite cerca de 30 milhões de toneladas de CO₂ por ano – equivalente às emissões da Dinamarca, por exemplo – e partidas como a Copa do Mundo de 2022 geraram 3,6 milhões de toneladas de CO₂.
Assim, clubes que adotam práticas sustentáveis reduzem impactos diretos (energia, resíduos, água), mas também influenciam sua torcida, criando o que um pesquisador chama de “Scope F”, ou seja, o impacto em hábitos cotidianos dos fãs.
Além disso, empreendimentos como estádios inteligentes (Ajax, Tottenham) registram quedas de 20‑30% no consumo elétrico com sistemas de gestão eficientes.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Apesar das iniciativas em evidência, muitos clubes ainda não adotam práticas sustentáveis por falta de regulamentação que obrigue transparência ambiental.
Dale Vince, presidente do Forest Green Rovers, destaca que “muitos clubes falam bem, mas no fim o futebol sobrepõe a sustentabilidade”.
Por outro lado, a pressão pública, direito dos torcedores e o exemplo de clubes menores mostram que é possível — e necessário — que sustentabilidade vire parte da identidade do futebol.
À medida que modelos ambientais se tornam casos de sucesso, como em Betis, Ajax e Criciúma, o caminho se torna mais acessível.