
A ideia de realizar partidas das principais ligas europeias fora de seus respectivos países vem ganhando espaço nos bastidores do futebol internacional, mas o assunto ainda provoca muita polêmica no chamado Velho Mundo.
A Premier League, La Liga e, mais recentemente, a Bundesliga, estudam estratégias para internacionalizar ainda mais suas marcas, levando jogos oficiais para locais como Estados Unidos, China e Oriente Médio. A medida, no entanto, tem gerado reações divididas entre clubes, jogadores e torcedores.
A motivação principal é obviamente ganhar mais dinheiro. O mercado internacional, especialmente na Ásia e na América do Norte, tem se mostrado cada vez mais lucrativo para o futebol europeu, tanto em termos de audiência quanto de patrocínios e novos fãs. Mas será que o ganho financeiro justifica os riscos esportivos, logísticos e éticos dessa mudança?
O EXEMPLO DA LA LIGA
A liga espanhola foi a primeira a tentar formalizar a realização de jogos fora da Europa. Em 2018, a La Liga assinou um contrato de 15 anos com uma empresa norte-americana para promover partidas nos Estados Unidos.
O acordo, no entanto, esbarrou em obstáculos jurídicos e resistências de clubes e federações. Ainda assim, o presidente da La Liga, Javier Tebas, insiste na ideia:
“Se queremos competir com a NFL e a NBA em termos globais, precisamos sair do nosso território. Um jogo por temporada fora da Espanha não mata o futebol local, mas fortalece a marca mundialmente”, afirmou Tebas em entrevista ao Financial Times.
A proposta inicial incluía partidas entre grandes clubes como Barcelona e Girona, em Miami, mas foi barrada pela Real Federação Espanhola e pela FIFA, sob o argumento de que comprometeria a integridade esportiva da competição.
A BUNDESLIGA ENTRA NO DEBATE
Mais recentemente, a Bundesliga começou a discutir a possibilidade de levar jogos oficiais para fora da Alemanha. A liga já tem forte presença internacional em países como Estados Unidos e Índia, com escritórios e eventos promocionais. Agora, alguns executivos querem ir além.
O Bayern de Munique, maior clube da Alemanha, se mostrou cético em relação à ideia. Oliver Kahn, ex-goleiro e ex-CEO do clube, comentou antes de deixar o cargo:
“Compreendemos a importância de expandir nossa marca, mas os torcedores alemães merecem respeito. Transformar o futebol em um produto global não pode significar abandoná-los”, disse Kahn à revista Kicker.
Outros clubes médios e pequenos da Bundesliga temem que a iniciativa favoreça ainda mais os gigantes, ampliando o desequilíbrio financeiro e esportivo que já existe dentro da liga.
PREMIER LEAGUE DIVIDIDA
A Premier League, considerada a liga mais globalizada do mundo, também avalia levar partidas oficiais ao exterior. Em 2008, chegou a anunciar o “39º jogo” – uma rodada extra fora da Inglaterra –, mas a proposta foi duramente criticada e arquivada. O tema voltou à pauta recentemente, impulsionado pelo sucesso comercial de torneios de pré-temporada nos EUA e na Ásia.
Clubes como Manchester United e Chelsea apoiam a ideia, enquanto outros, como o West Ham e o Newcastle, querem os jogos dentro do Reino Unido. A pressão dos torcedores locais tem sido um fator crucial na resistência.
JOGADORES DIVERGEM
A opinião dos atletas também não é unânime. Para alguns, as viagens longas e a adaptação ao fuso horário prejudicam o desempenho físico e aumentam o risco de lesões. Outros veem com bons olhos a chance de disputar partidas diante de novos públicos e expandir suas marcas pessoais.
Joshua Kimmich, lateral direito e volante do Bayern, foi direto sobre a questão:
“Como jogador, entendo a lógica comercial. Mas precisamos pensar na saúde do atleta. Voar para os EUA no meio da temporada não me parece ideal para o rendimento dentro de campo”, declarou ao jornal Bild.
Em contrapartida, jogadores sul-americanos e africanos veem com simpatia a chance de atuar mais perto de seus países de origem ou de mercados que valorizam suas carreiras.
OS PRÓS E CONTRAS DE INTERNACIONALIZAR JOGOS
Entre as vantagens apontados pelos defensores da ideia, destacam-se:
- Aumento da audiência e exposição da liga em novos mercados;
- Crescimento da base global de fãs;
- Atração de patrocinadores internacionais;
- Fortalecimento da marca do clube e da liga.
Os opositores destacam alguns problemas da internalização
- Deslocamento excessivo dos jogadores;
- Perda da atmosfera tradicional de jogos locais;
- Risco de boicote de torcedores locais;
- Questões legais e organizacionais envolvendo federações nacionais e a FIFA.
VALE A PENA FINANCEIRAMENTE?
Do ponto de vista financeiro, os números são de fato muito sedutores. Afinal, estima-se que uma partida oficial de uma grande liga europeia realizada nos Estados Unidos possa gerar até US$ 10 milhões em receita direta, entre bilheteria, direitos de transmissão e ações de marketing.
Ainda assim, o risco de desgaste com seus torcedores no país-natal – que são a base da identidade cultural dos clubes – levanta dúvidas sobre o custo real dessa internacionalização.
CONCLUSÃO
O dilema entre globalizar o futebol e preservar sua essência local continua sendo o grande desafio. As ligas europeias caminham para um modelo mais próximo das franquias esportivas norte-americanas, onde o espetáculo é planejado com foco em lucro e audiência mundial.
Mas o futebol, ao contrário de esportes como o basquete ou o futebol americano, ainda carrega forte vínculo com as raízes regionais. Tirar um clássico de seu estádio histórico pode significar muito mais do que apenas mudar de endereço: pode mudar o próprio significado do jogo.