Quando vender talentos já não basta: crise estrutural na Bundesliga

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Bundesliga
Imagem: Divulgação

Bundesliga, tradicionalmente admirada por sua combinação de sustentabilidade financeira, envolvimento dos torcedores e competitividade desportiva, enfrenta uma encruzilhada em 2025.

A janela de transferências recorde da Premier League – com aquisições caras vindas da Alemanha – reavivou debates antigos sobre a regra 50+1, a dominância financeira da Inglaterra e o futuro do futebol alemão.

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O CONTEXTO FINANCEIRO RECENTE

Segundo reportagens da imprensa internacional, a Premier League superou três bilhões de euros em gastos nesta última janela de verão, estabelecendo um recorde.

Desse total, ao menos 380 milhões mais bônus foram pagos por jogadores que vinham da Bundesliga: nomes como Florian Wirtz, Hugo Ekitike, Nick Woltemade e Benjamin Sesko.

Essa saída de talentos valiosos – muitos revelados ou desenvolvidos na Alemanha – traz à tona um desafio duplo: manter qualidade interna e ao mesmo tempo garantir viabilidade financeira.

MODELOS DE GOVERNANÇA: REGRA 50+1 SOB PRESSÃO

A regra 50+1, que exige que os clubes alemães mantenham controle majoritário (50% mais uma ação) pertencente aos sócios do clube, foi criada para proteger contra a mercantilização excessiva e influência externa.

Entretanto, a recente onda de vendas de jogadores para a Inglaterra reacendeu o debate se essa regra, embora valorizada pela cultura do futebol alemão, estaria tornando os clubes menos competitivos economicamente frente àqueles com mecanismos de investimento mais flexíveis.

Enquanto alguns clubes e dirigentes pedem adaptação, resta claro que qualquer mudança enfrentaria resistência popular, já que a regra é também símbolo de identidade, pertencimento e participação dos torcedores.

BALANÇÕES FINANCEIROS E DISPUTAS DE MERCADO

Embora a Bundesliga tenha apresentado em 2023/24 receitas recordes – cerca de 4,8 bilhões de euros para a primeira divisão, com crescimento de quase 8% em relação à temporada anterior -, nem todos os resultados são igualmente favoráveis quando se compara com os rivais ingleses.

Os prêmios de TV na Inglaterra, somados ao enorme mercado de patrocínios globais, conferem aos clubes da Premier League vantagem clara.

Vincent Kompany, treinador do Bayern de Munique, admitiu que “é difícil competir com a força financeira da Premier League”, apontando que até times recém-promovidos no futebol inglês têm orçamentos na casa de €100 milhões ou mais.

O diretor esportivo do Bayern, Christopher Freund, reconheceu que o clube teve dificuldades nesta janela para contratar certos talentos, não por falta de ambição, mas por limitações orçamentárias diante dos valores estratosféricos que atravessam o mercado. “O Premier League tem muitos argumentos ao seu favor; financeiramente, está em outro nível”, disse.

CULTURA DOS CLUBES E PERCEPÇÃO DOS TORCEDORES

Para muitos torcedores alemães, o futebol não se resume só ao resultado ou à visibilidade internacional: identidade local, associação de sócios, estádios acessíveis e participação comunitária são valores centrais. A regra 50+1, nesse sentido, é vista como uma salvaguarda desses valores.

Qualquer proposta de alteração será avaliada não apenas nos números, mas também no que pode significar para a alma do clube. Há relatos de que votos recentes na Bundesliga confirmaram a permanência da regra, rejeitando uma maior influência de investidores externos.

Do lado dos torcedores, há preocupação de que a “fuga” de talentos para a Premier League transforme a Bundesliga em simples celeiro, antes que em liga rival.

A consequência pode ser queda de apelo internacional, menores receitas de marketing e até mesmo dificuldade em manter a competitividade em competições europeias.

Simon Rolfes (diretor esportivo do Bayer Leverkusen, destaca sobre a vantagem econômica da Premier League: “o fator chave para compensar essa vantagem é profissionalização dos programas de base”.

ESPECIALISTAS AVALIAM OS RISCOS

Especialistas entrevistados – economistas esportivos e acadêmicos —-insistem que o problema não é só vender jogadores caros ou perder estrelas. O grande risco está na sustentabilidade a longo prazo:

  • A dependência de receitas de transferências pode gerar instabilidade se os clubes falharem em investir adequadamente em infraestruturas, categorias de base ou marketing internacional.
  • Desequilíbrios crescentes podem enfraquecer o produto liga: se o público global (e patrocinadores externos) começar a ver a Bundesliga como liga de saída, isso pode afetar receitas futuras.
  • A questão do custo de pessoal: salários e custos operacionais disparados no futebol moderno podem sufocar clubes médios e pequenos, levando a endividamentos ou cortes bruscos.

Um exemplo positivo é o do Stuttgart, que recebeu um investimento minoritário de 100 milhões de euros da Porsche em 2024. Esse aporte lhe deu segurança financeira para crescer, classificando-se à Champions League pela primeira vez em 15 anos, além de vencer a Copa da Alemanha numa temporada seguinte.

Esse modelo de investimento parcial, aliado à identidade local forte, aparece como caminho viável para clubes que não têm o porte gigante de Bayern ou Dortmund.

O FUTURO DO FUTEBOL ALEMÃO

Diante do cenário, algumas medidas e tendências parecem emergir:

  1. Reforçar categorias de base e sistemas de formação, para que novos talentos surjam com regularidade, minimizando o impacto de saídas.
  2. Buscar investimentos minoritários ou parcerias estratégicas (sem abrir mão da maioria do clube), para reforçar estabilidade financeira — como fez Stuttgart com a Porsche.
  3. Repensar a regra 50+1 de forma cuidadosa: ajustar sem romper radicalmente os princípios de governança e participação popular.
  4. Inovação em receitas de mídia e marketing internacional, explorando novos mercados e ampliando apelo global.
  5. Maior coordenação entre clubes para negociar cláusulas de retenção, bônus por desempenho ou mecanismos de compartilhamento de receita (como há em outras ligas).
CONCLUSÃO

O futebol alemão vive um momento crítico: tem boas bases financeiras, uma cultura forte, valores democráticos no esporte, e resultados positivos nos últimos anos. No entanto, a escalada de poder financeiro da Premier League expõe fragilidades estruturais.

O desafio agora não é simplesmente resistir à pressão dos mercados ricos, mas encontrar modos de evoluir sua governança, adaptando-se sem perder a identidade, para garantir competitividade, sustentabilidade e que continue sendo referência global.