
Nos últimos anos, o futebol europeu ganhou uma hegemonia financeira sem precedentes. Clubes das cinco principais ligas do Velho Mundo (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França) obtêm receitas milionárias, fruto de contratos massivos de transmissão e patrocínios globais. Alguns clubes têm orçamentos gigantescos.
O Manchester City, por exemplo, obteve receitas de US$ 890 milhões (certa de R$ 4,9 bilhões) na última temporada. Já a liga brasileira – o Brasileirão – gera, em média, algo em torno de US$ 1,17 bilhão (R$ 9,4 bilhões). O valor é expressivo, mas ainda está longe do montante gerado pelos gigantes europeus.
A diferença financeira impressiona. Segundo dados da Deloitte Football Money League de 2018–19, os 20 maiores clubes do mundo (todos europeus) somaram uma receita de 9,3 bilhões de euros (R$ 59 bilhões), com um crescimento de 11% sobre o ano anterior.
Ao mesmo tempo, a expansão do Mundial de Clubes da FIFA para 32 times e com premiação total de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões), incluindo US$ 38 milhões para clubes europeus só na fase de grupos, contra cerca de US$ 15 milhões para os sul-americanos, reforça a vantagem econômica europeia.
CONTRAPARTIDA DA PAIXÃO
A contrapartida dessa evolução financeira é um vácuo na paixão dos torcedores europeus. Relatos recentes sobre a Copa do Mundo de Clubes nos EUA, por exemplo, apontam para partidas com público modesto – como o jogo do Chelsea em Atlanta com apenas 22 mil pagantes num estádio com capacidade para 70 mil lugares.
Para o técnico Enzo Maresca, “foi um ambiente um tanto estranho”. Já o lateral Levi Colwill minimizou, mas reconheceu: “esperamos mais apoio” .
Por outro lado, torcedores sul-americanos têm mostrado que continuam vibrando intensamente com seus clubes. Em Miami, os 61 mil torcedores que acompanharam Inter Miami x Al-Ahly foram apenas a ponta do iceberg: a presença de torcidas como a do Boca Juniors resultou em um jogo tenso, com três expulsões, calor abrasador… um espetáculo vivo.
O técnico do Boca Juniors, Miguel Ángel Russo, destacou recentemente: “vou ao Mundial com as expectativas mais altas possíveis. Eu sonho alto”, enfatizou.
VOZES QUE EXPLICAM O PARADOXO
- Sepp Blatter, ex-presidente da FIFA, reconheceu que sua gestão intensificou a comercialização do esporte — e que tal excesso pode “causar queda no interesse dos torcedores”. Ele alerta para o risco da saturação.
- Javier Tebas, presidente da La Liga, criticou a expansão do Mundial de Clubes como algo que quebra o calendário e “será mais parecido com amistosos”, corroendo a paixão.
- Johan Cruyff, lendário técnico e jogador, antes de falecer em 2016 declarou que “o futebol agora é tudo sobre dinheiro. Os valores do jogo estão corrompidos… isso é triste, porque futebol é o jogo mais bonito”.
TORCIDA EUROPEIA
Em fóruns online, muitos torcedores europeus reconhecem o desencanto. Um usuário do Reddit comentou:
“Eu nunca assistir nem dois minutos do Mundial de Clubes, nem me importo … é um amigável glorificado que a maioria não dá a mínima”.
Outro reforça:
“O Mundial de Clubes agora é basicamente um evento de exibição neste momento”.
Tais relatos com certeza demonstram um sentimento de indiferença que cresce nos fãs europeus — contraste gritante com a emoção visceral encontrada na América do Sul.
CONSEQUÊNCIAS E TENSÕES DO PARADOXO
- Goleadas milionárias, mas arquibancadas vazias
Grandes contratos atraem fundos, mas os fãs percebem que futebol está cada vez mais distante de suas raízes e do sentimento comunitário. - Saturação de competições
Com Premier League, Champions League, Ligas Nacionais e o novo Mundial de Clubes, o calendário sufoca jogadores e fãs. Como apontado pelo Guardian, é um ciclo comercial que “gera nostalgia por um tempo em que o esporte era mais acessível”. - Valorização das emoções sul-americanas
A cultura latino-americana valoriza a entrega absoluta. Torcidas são parte da experiência, das músicas, dos cânticos e do ritual, algo menos presente na Europa atual.
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
Para reequilibrar essa disparidade entre dinheiro e emoção, é necessário repensar o formato das competições mundiais e valorizar o contato direto com a torcida. Javier Tebas sugere revisar o calendário e evitar torneios supérfluos. Já Sepp Blatter chama atenção para a necessidade de preservar valores antes que o esporte se esvazie.
O futebol europeu já alcançou o ápice econômico. A questão agora é redescobrir seu coração — e talvez a América do Sul, com torcidas vibrantes e autênticas, sirva de referência para recuperar a paixão perdida.
RESUMO
Europa domina em dinheiro: receitas que superam de sete a dez vezes o registrado nos principais clubes da América do Sul.
- Paixão em declínio: estádios europeus, sobretudo em torneios secundários, registram maior indiferença.
- Torcida sul-americana é explosiva: River Plate lota com 84 567 por jogo, Boca e Flamengo emocionam nos EUA.
- Vozes da crise: Blatter, Tebas e Cruyff alertam para o vazio que o futebol pode virar se continuar priorizando o lucro ao invés da alma.