Revalorização dos técnicos nacionais: o desafio de recuperar o prestígio

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Fernando Diniz (Foto: Rafael Ribeiro / Vasco)
Fernando Diniz (Foto: Rafael Ribeiro / Vasco)

A revalorização dos técnicos brasileiros no futebol nacional é um tema que vem ganhando destaque diante da crescente presença de treinadores estrangeiros, especialmente portugueses, nos principais clubes do País. Melhor formação e atualização constante podem ser caminhos para a recuperação do prestígio.

Após um período em que os profissionais nacionais foram frequentemente criticados e preteridos, o momento atual mostra uma busca por reconhecimento do talento e da competência destes treinadores, mesmo em um cenário marcado por desafios históricos e estruturais.

INVASÃO ESTRANGEIRA

Nos últimos anos, o futebol brasileiro tem presenciado uma onda de contratações de treinadores estrangeiros, com nomes como Jorge Jesus, Abel Ferreira e Pepa ganhando espaço na Série A.

Atualmente, cerca de 30% dos técnicos na principal divisão do País são estrangeiros, o que reflete uma insatisfação generalizada com o estilo e os resultados dos treinadores nacionais, muitas vezes considerados previsíveis e pouco ousados.

Essa preferência por profissionais de fora, em especial portugueses, foi impulsionada pelo sucesso do Flamengo sob o comando de Jorge Jesus em 2019, que apresentou um futebol ofensivo e envolvente, quebrando paradigmas tradicionais do futebol brasileiro.

INSTABILIDADE

Porém, a desvalorização dos técnicos brasileiros não é fruto apenas de uma questão de estilo ou resultados. A instabilidade do mercado nacional é um fator crucial. Dados recentes mostram que o Brasil é um dos campeonatos mais instáveis do mundo para os treinadores, com uma alta rotatividade e pouco tempo para que os profissionais desenvolvam suas ideias e projetos.

O técnico do Vasco, Fernando Diniz, conhecido por seu estilo ofensivo e inovador e que não teve uma experiência bem-sucedida na Seleção Brasileira, destaca que essa instabilidade leva os técnicos a adotarem posturas defensivas, focadas no medo de perder, em vez de buscar a vitória com criatividade. Segundo ele, o imediatismo e a pressão por resultados rápidos impedem o desenvolvimento do futebol brasileiro.

Além disso, há uma diferença clara no tratamento dado a técnicos brasileiros e estrangeiros. Leandro Mehlich, coordenador do Rio Branco (SP), aponta que os estrangeiros recebem mais paciência e tempo para trabalhar, enquanto os brasileiros são frequentemente descartados com maior rapidez, mesmo quando possuem qualificação e experiência comprovadas.

Ele cita exemplos de treinadores brasileiros que precisaram buscar oportunidades fora do país para serem reconhecidos, como Fernando Seabra e Paulo Victor.

ATUALIZAÇÃO

Outro aspecto importante é a formação e atualização dos treinadores nacionais. Pedro Bouças, comentarista português e ex-auxiliar em clubes europeus, ressalta que o excesso de talento disponível no Brasil pode levar os técnicos a não desenvolverem plenamente aspectos táticos e estratégicos.

Isso os torna menos completos em comparação com os europeus, que enfrentam desafios diferentes e precisam inovar constantemente para se destacar.

Bouças também destaca que a formação técnica no Brasil demorou a se modernizar, o que contribuiu para a perda de mercado dos treinadores brasileiros no exterior.

NOVOS TEMPOS

Apesar desse cenário, há sinais de que a valorização dos técnicos brasileiros pode estar em curso. O Flamengo, atual líder do Brasileirão, por exemplo, é comandado por Filipe Luís, ex-jogador que tem mostrado competência e capacidade de liderar uma equipe de alto nível.

Seu trabalho no rubro negro carioca demonstra que os profissionais nacionais ainda têm espaço para brilhar e conquistar respeito no futebol do País.

ANCELOTTI NA SELEÇÃO

Por outro lado, a seleção brasileira tem agora um comando estrangeiro, com o italiano Carlo Ancelotti à frente após tentativas frustradas com técnicos nacionais como Fernando Diniz e Dorival Júnior.

Essa escolha reforça a percepção de que, para cargos de alta pressão, a preferência tem sido por nomes internacionais, o que alimenta o debate sobre a confiança nos treinadores brasileiros.

MELHORES CONDIÇÕES

Para Fernando Diniz, a solução passa por dar mais tempo e condições para que os técnicos nacionais desenvolvam seus trabalhos, com menos pressão imediatista e mais investimento em formação e atualização.

Ele defende que o futebol brasileiro precisa resgatar sua identidade ofensiva e criativa, que historicamente o consagrou, e que isso só será possível com treinadores que tenham liberdade para implementar suas ideias.

Em contrapartida, há quem critique a postura dos técnicos brasileiros como ultrapassada. Pedro Bouças, por exemplo, sugere que a falta de atualização tática e o conforto com o talento individual dos jogadores limitam o crescimento dos treinadores nacionais, que deveriam buscar mais inovação e conhecimento para competir em nível global.

A revalorização dos técnicos brasileiros, portanto, depende de uma mudança cultural no futebol nacional, que envolva maior paciência dos clubes, investimento em qualificação e uma abertura para que os treinadores possam experimentar e evoluir.

CITAÇÕES
  • Fernando Diniz: “Se importar apenas com o resultado está se tornando a areia movediça do futebol brasileiro. No fim das contas, se o resultado é positivo, o treinador é bom. Aqui, se não ganha, está totalmente equivocado. Só um time ganha. E os outros 19?”
  • Leandro Mehlich (gerente de futebol): “Sou a favor de técnicos estrangeiros aqui, porque quanto mais qualidade nos adversários, maior será nossa qualificação. Mas há um tratamento diferente, mais paciência com o técnico estrangeiro. O brasileiro acaba tendo menos tempo de trabalho e menos valorização.”
  • Pedro Bouças (treinador português): “Por ter tanto talento disponível, o treinador brasileiro não é estimulado a encontrar saídas, novos modelos, criar mecanismos, e por isso, se torna menos completo. Isso sem falar em formação.”

O futuro do futebol nacional depende, em grande parte, da capacidade de reconhecer e apoiar os profissionais que, apesar das adversidades, para o esporte mais popular.