
O futebol brasileiro vive um momento de euforia no mercado de transferências. Em 2024, os clubes nacionais desembolsaram impressionantes US$ 353 milhões em contratações – um salto de 141% em relação ao ano anterior, segundo levantamento do InfoMoney.
Impulsionado por injeções de capital das SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol), patrocínios de casas de apostas e receitas recordes com direitos de transmissão, o cenário parece promissor à primeira vista. Mas, por trás da cortina de otimismo, especialistas soam o alarme: o futebol brasileiro caminha perigosamente rumo a uma bolha financeira.
A FESTA DO DINHEIRO NOVO
O modelo SAF, adotado por clubes como Cruzeiro, Botafogo e Bahia, por exemplo, atraiu investidores estrangeiros e abriu as portas para aportes milionários.
O Botafogo, sob comando do empresário americano John Textor, contratou 18 jogadores em 2024. O Cruzeiro, controlado por Pedro Lourenço, não ficou atrás, chegando a pagar mais de R$ 60 milhões por apenas dois reforços no início do ano.
“É como dar um cartão de crédito ilimitado para alguém que estava endividado até ontem”, compara o economista e especialista em gestão esportiva Amir Somoggi. “Sem controles rígidos e responsabilidade fiscal, esse movimento pode implodir”, complementa.
Segundo Somoggi, o atual crescimento não é baseado em receitas recorrentes sustentáveis, mas sim em apostas de retorno futuro, muitas vezes incertas. “Estão antecipando receitas futuras – venda de jogadores, cotas de TV, bilheteria – como se fossem garantidas. E isso é muito arriscado.”
O QUE É UMA BOLHA FINANCEIRA NO FUTEBOL?
Bolhas econômicas ocorrem quando ativos são supervalorizados com base em expectativas irreais, levando a uma escalada de investimentos insustentáveis. Quando a realidade não acompanha o otimismo, os valores despencam e os prejuízos se acumulam.
No futebol, essa lógica se aplica a clubes que gastam mais do que arrecadam, apostando que os resultados esportivos (títulos, classificações, premiações) vão cobrir os rombos. “É o mesmo que apostar no acesso à Série A como garantia de solvência”, explica Cesar Grafietti, consultor de finanças do esporte e ex-BNDES. “Se esse acesso não vem, o clube quebra.”
Grafietti alerta que, com o crescimento artificial dos investimentos, a inflação no mercado da bola está fora de controle. “Hoje, um jogador mediano custa três vezes mais do que há dois anos. Isso não é saudável.”
OS DOIS BRASIS: GASTADORES E CAUTELOSOS
A divisão entre clubes que embarcaram na “corrida do ouro” e os que mantêm a cautela é cada vez mais evidente.
O Fluminense, por exemplo, optou por um modelo de controle orçamentário mesmo após se tornar SAF, sob comando de investidores locais. “Não vamos comprometer a saúde financeira por causa de resultados imediatos”, afirmou Mário Bittencourt, presidente do clube, em entrevista recente a uma emissora de TV. O clube, mesmo assim, conquistou uma Libertadores em 2023.
Já o Athletico (PR) mantém forte política de gestão de custos. “Futebol é paixão, mas também é empresa. E empresa não sobrevive sem responsabilidade fiscal”, declarou o CEO do clube, Alexandre Mattos. O clube caiu para a Série B, que disputa na atual temporada.
AUSÊNCIA DE FAIR PLAY FINANCEIRO
Um dos principais pontos críticos apontados por especialistas é a inexistência de um sistema nacional de fair play financeiro, como o implementado na UEFA, que limita os gastos dos clubes de acordo com suas receitas.
“No Brasil, você pode gastar o que quiser, desde que encontre alguém disposto a bancar”, critica Somoggi. “É um ambiente propício para bolhas.”
A CBF e a Liga Forte União discutem a criação de regras de controle, mas, até o momento, não há diretrizes claras em vigor.
SINAIS DE ALERTA
Apesar da euforia, há indícios de que a bolha pode já estar começando a dar sinais de estresse. Nos bastidores, comenta-se que pelo menos dois clubes SAF estão enfrentando dificuldades para manter folha salarial em dia.
Um executivo de um clube da Série A, que preferiu não se identificar, revelou: “Estamos vendo clubes vendendo jogadores às pressas só para fechar o mês. Não tem como isso dar certo a longo prazo.”
Além disso, a dependência de receitas de casas de apostas preocupa. “Se o governo federal endurecer a regulamentação, como já sinalizou, parte importante do dinheiro pode desaparecer”, alerta Grafietti.
O FUTURO: COLAPSO OU ADAPTAÇÃO?
Se nada for feito, o estouro pode ocorrer em até dois anos, segundo projeções do Portal Tela. “Estamos num ciclo muito parecido com o que vimos na crise espanhola dos anos 2000, quando clubes como Deportivo La Coruña e Málaga faliram após anos de gastos irresponsáveis”, lembra Somoggi.
Por outro lado, há caminhos para evitar o colapso:
- Implementação urgente de fair play financeiro;
- Transparência total nas contas das SAFs;
- Auditoria independente de investimentos e receitas;
- Educação financeira para dirigentes e conselheiros.
ENTRE A ILUSÃO E A SOBRIEDADE
Na arquibancada, o torcedor vive entre o sonho e a preocupação. “É lindo ver meu time contratando craques, mas eu já vi esse filme antes. O Cruzeiro quase acabou em 2019 por causa de má gestão”, comenta Rodrigo Silva, torcedor celeste de Belo Horizonte.
Enquanto isso, a euforia continua. Mas, como diz o velho ditado do mercado: “Quando até o barbeiro começa a dar dicas de ações, é hora de vender tudo”.
No futebol, talvez seja hora de parar de gastar antes que a conta venha — e, com ela, a falência de um sonho.