Estádios inclusivos: como o Brasil ainda está atrasado

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panoramica allianz arena

A acessibilidade para torcedores com deficiência ou mobilidade reduzida nos estádios de futebol no Brasil é alvo de avanços recentes, porém convive com grandes desafios. Ainda há muito a ser feito para que as praças do esporte mais popular do País sejam locais mais acolhedores para estas pessoas.

Já existe uma legislação clara a respeito – como por exemplo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Decreto nº 5.296/2004 e normas da ABNT como a NBR 9050, e exigências nos laudos de segurança (Plano Básico e Plano Completo de Segurança, que envolvem arquitetura, engenharia, conforto e acessibilidade).

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Na prática, entretanto, muitos estádios não atendem plenamente às exigências técnicas, ou têm lacunas severas no conforto, sinalização, visibilidade, rotas seguras, banheiros adaptados, atendimento etc.

As reclamações de torcedores sobre a estrutura, o serviço humano (informação, orientação) e o entorno (acesso, estacionamento) são frequentes e em algumas praças do esporte reina o descaso.

EXEMPLOS DE ESTÁDIOS MAIS AVANÇADOS

Alguns estádios são referências em termos de acessibilidade:

  • Arena Castelão (Fortaleza): o cadeirante Cláudio Bazoli, que já visitou cerca de 20 estádios em 2024, avaliou o Castelão positivamente. Ele apontou “lanchonetes, banheiros, entrada/saída bem próximos do espaço acessível. Notamos a presença de catraca larga na entrada … diversos bancos de acompanhantes em toda área acessível”.
  • Allianz Parque (São Paulo / Palmeiras): possui selo Guiaderodas reconhecido pela ONU, muitos assentos para cadeirantes ou mobilidade reduzida, salas sensoriais para autistas / pessoas com TDAH, TDL, Síndrome de Down; boa sinalização, banheiros adaptados etc.
  • Mineirão (Belo Horizonte) também tem sido citado entre os mais preparados: dispõe de assentos ergonômicos para PcD e mobilidade reduzida, espaços de visibilidade, comunicação acessível.
  • Por outro lado, clubes tradicionais como Botafogo (Engenhão) – atual campeão da Libertadores e Brasileiro -, Coritiba, Goiás, Fortaleza, São Paulo e Internacional, entre outros, também têm investido em salas sensoriais e espaços adaptados para torcedores autistas ou com sensibilidades sensoriais.
ALGUNS ESTÁDIOS QUE AINDA PRECISAM DE MUITAS MUDANÇAS
  • No Estádio Independência (Belo Horizonte), um torcedor levou seu pai tetraplégico e denunciou que não foi autorizado a usar o elevador para a parte superior – o acesso foi negado pelos funcionários, alegando que o uso era restrito.
  • Na Arena MRV (Atlético‑MG), inaugurado há apenas dois anos, o torcedor Rodrigo Sanches da Cruz, com deficiência, reclamou da falta de torneiras em banheiros adaptados para pessoas com bolsa de colostomia.
  • No Rio de Janeiro, torcedores com deficiência relatam ausências de áreas adaptadas reais, dificuldades no transporte, filas longas, acessos mal sinalizados, falta de pessoal preparado. Um exemplo foi a torcedora Evelyn, com deficiência, que disse: “Quando fui ao Maracanãzinho … tive que me virar sozinha — descer e subir escadas, achar o banco certo… Nunca vi uma área adaptada de fato nos estádios.”
O QUE A LEGISLAÇÃO ESTABELECE 
  • Norma ABNT NBR 9050: determina como devem ser rampas, pisos táteis, sinalização, banheiros adaptados, rotas acessíveis etc.
  • Decreto 5.296/2004: determina a prioridade no atendimento, acessibilidade urbana, exigências para edificações, equipamentos etc.
  • Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei federal), que obriga igualdade de oportunidades, direito à acessibilidade.
  • Portarias do Ministério do Esporte, como a Portaria nº 55 de 2023, que no laudo técnico para vistoria de estádios exige documento “Engenharia, Acessibilidade e Conforto
AÇÕES DE CLUBES, FEDERAÇÕES E CBF

Os grandes clubes aos poucos têm implantado salas sensoriais para torcedores autistas e/ou com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, Síndrome de Down etc.

  • Alguns estádios adaptaram melhor banheiros, entradas, bilheterias, pisos táteis, elevadores e rampas.
  • Projetos de lei em tramitação ou aprovados: por exemplo, PL 2591/24, que obriga estádios e locais esportivos a fornecerem cadeiras de rodas para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
  • Também há iniciativas de fiscalização, laudos técnicos, vistoria dos estádios pelas federações estaduais em conjunto com CBF ou órgãos ligados ao esporte.
O PAPEL DA CBF

A CBF tem regulamentos gerais de competições, que definem normas técnicas, laudos e diretrizes para clubes participantes.

No entanto, sua atuação específica em forçar padrões de acessibilidade (por exemplo, penalizações, fiscalização própria, estabelecimento de exigências além daquelas legais) parece menos visível do que poderia ser, segundo torcedores e entidades de defesa de direito à acessibilidade.

DECLARAÇÕS DE ESPECIALISTAS E TORCEDORES
  1. Cláudio Bazoli, cadeirante que avaliou a Arena Castelão:

“Ponto favorável para lanchonetes, banheiros, entrada/saída bem próximos do espaço acessível. Notamos a presença de catraca larga na entrada e também gostamos de ver que a Arena também pensou no público obeso, pois no setor Premium tinha bancos largos para este público. Diversos bancos de acompanhantes em toda área acessível.”

  1. Sinval Júnior, torcedor com limitação de locomoção:

“Para acessar ao estádio, passei por 5 ou 6 pessoas que não sabiam onde era o acesso. Até que uma última me mandou dar a volta por fora do estádio.”

  1. Henrique Aguiar, gerente de negócios do Coritiba:

“O projeto acústico das paredes e do teto foi elaborado para reduzir ao máximo o nível de ruído dentro do estádio, enquanto o mobiliário foi pensado para proporcionar maior conforto e acessibilidade aos torcedores autistas. Com essa iniciativa pioneira no Brasil, conseguimos promover a inclusão no Couto Pereira e oferecer um atendimento especial para essa comunidade de fãs.”

  1. Jessica Rezende, diretora de marketing do Goiás:

“No estádio Hailé Pinheiro, oferecemos um camarote adaptado para o público autista, visando garantir uma experiência acessível e confortável para todos os torcedores esmeraldinos. Além disso, desenvolvemos diversas ações para promover a conscientização sobre essa causa.”

  1. Advogado Paulo Meira, que propôs projeto de lei após caso no Independência:

Ele aponta que apesar de haver normas e legislação que ditam regras de acessibilidade nos estádios, “elas não são devidamente cumpridas e não possuem penalidade civil.”

CONCLUSÃO

A acessibilidade nos estádios brasileiros tem exemplos bons que mostram que é possível conciliar paixão pelo futebol com inclusão. Mas há um longo caminho a percorrer para que isso deixe de ser privilégio para alguns estádios e clubes com mais recursos, e passe a ser regra para todos.